Já gozei de boa vida
tinha até meu bangalô
cobertor, comida,
roupa lavada,
vida veio e me levou.
(O Velho Francisco - Chico Buarque)
Ontem tivemos no bar uma cena constrangedora.
Cheguei atrasado, e esqueci de fechar a caixa do violão e encostá-la à parede, como costumo fazer. Numa mesa próxima ao pequeno tablado -- o qual chamamos, meio com ternura, meio com ironia, de palco -- estavam sentados alguns homens de meia-idade, todos engravatados. O bar fica numa área de muitos escritórios, e é comum aparecerem estes grupos por lá. Chegam para o happy hour e sentem-se meio deslocados. Fazem muito barulho e são os que ignoram os músicos mais ostensivamente. Pois então, estavam lá os homens de negócio com sua bablbúrdia habitual e eu tocando Samurai, do Djavan. Ao terminar a música, o mais bêbado deles veio cambaleando e jogou uma nota de cinco reais na caixa do violão. Fiquei sem reação nenhuma: Não sabia se era alguma brincadeira besta ou se ele acreditava mesmo que era para isso que a caixa estava ali. O silêncio que se seguiu -- denso e incômodo - foi quebrado pela voz do Preto Velho:
-- Toca Rosa, filho.
O Preto Velho aparece todas as sextas-feiras. Vem sempre de terno branco e chapéu, pede uma cerveja que leva uma eternidade para terminar e pede sempre alguma música da velha guarda. Eu atendo na medida do possível, já que canções assim não são muito freqüentes em meu repertório, embora as aprecie. E quando eu toco a música pedida, ele acompanha apenas movendo os lábios, de olhos fechados. Uma ou duas vezes eu acho que o vi chorando.
Não sei nada sobre ele, e nem sei se quero saber. O olhar dele quando termino uma de suas músicas é melhor que qualquer aplauso. E agora devo mais essa a ele, me fez até esquecer do acinte que foi o dinheiro jogado a mim, como se eu fosse uma foca amestrada ou coisa assim.
Mas confesso que depois de tocar, parte de mim ficou esperando que o homem viesse me trazer outra nota. Não me censurem, são tempos difíceis.
chibatado pelo Chicote Verbal
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