19.9.09

Necessário & Suficiente



“…para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, os métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura". 

PIERRE BOURDIEU, 1998

4.9.09

O anel, o santo e o noivo cagão



Na manhã benfazeja
chega o dia da igreja
pois todo casal almeja
unir-se em frente ao altar

Mas na gelada capela
João bem amarela
tremendo as canela
bem diante do altar

João pensa e se arrasa
na noiva que se atrasa
ela ainda em casa
"está a se maquiar"

e nessa demora
mais que passando da hora
João se apavora
esfregando o anular

Finalmente a donzela
de branco chega à capela
buquê de flor amarela
e está diante do altar

com os miolos numa luta
e os sentidos a divagar
João nem escuta
o padre tagarelar

e na hora mais certa
João - upa! - se desperta
é o anel que lhe aperta
bem diante do altar

como uma vara tremendo
ou tremendo dum azar
a aliança vai escafedendo
do seu dedo anular

correndo pela igreja
João começa a peleja
atrás do anel que volteja
rodopiando o altar

O padre neste momento
pôs-se a amaldiçoar
quando João, esse jumento,
espatifou-se no altar

O Santo Antônio caído
solta um rouco gemido
linguajar proibido
na beira do altar

"Moleque abestado,
estás embriagado
ou é um sequelado
aqui na frente do altar?"

Ergueu, apavorado, João
Santo Antônio do chão
nunca tinha ouvido não
uma estátua a praguejar

"Desculpe, meu santo,
acho que foi um quebranto
há três dias nem janto
nem sei me encontrar"

Santo Antônio irritado
chama o cabra de lado
"Escuta aqui, ó lesado,
vamos ter um particular:

Hoje é dia importante
veio até parente distante
não é hora de rompante
você, afinal, quer casar?"

"Ai, creia meu santo,
eu não posso falar
mentira ou calúnia
nem tampouco blasfemar

estou aqui sem maldade
tu és a autoridade
direi toda a verdade
aqui, diante do altar

me desculpe, ó meu santo,
eu juro de pé junto
que só mesmo defunto
queria de me casar"

Então retruca o santo:
"Mesmo tu sendo tão moço
isso não é nada difícil,
dá até pra se arranjar

Sou santo bem-fazejo
mas posso atender seu desejo
e bem pra logo eu prevejo
uma sina de azar

não tome como quebranto,
mas vai que tu cai num poço
numa saída de uma missa
numa noite sem luar"

E já amarrando o pranto
João pensa em seu pescoço
enfim cede ao sacrifício
diante do santo altar