30.11.04

Calça Curta

Pensei num programa ao vivo de quarta feira que comentaria o Saia Justa em tempo real. Se chamaria Calça Curta.

São 4 homens tomando cerveja e assistindo o futebol básico da quarta-feira e zapeando de vez em quando para o Saia Justa.
São eles:
O Maurício Orth, irmão da Mariza Orth, um puta gênio;
O Alexandre Machado, marido da Fernanda Young;
O marido da Mônica Valdvoguel, esse mártir, whoever he is;
Um tio aposentado da Marina Lima.

Quando uma mulher fala uma bobagem muito grande lá no Saia Justa o seu correspondente masculino no Calça Curta recebe uma vaia e uma saraivada de amendoins, eventualmente toma uns cascudos de todos.
O Alexandre Machado já vai para o programa usando um capacete daqueles de futebol americano.

21.11.04

entardecer opaco de novembro

foi naquele acampamento de mentirinha que você sabe onde que tão bonita brincava de sair do corpo e ver nós dois de formiguinhas crianças lá em baixo na grama rindo muito de bobeira naquele entardecer opaco de novembro você daquela vez foi muito longe mesmo na hora que começou a chover muito forte eu gritava mas você não escutava e ria no temporal rodopiando nas nuvens aspiraladas sem ver o caminho de volta quando a enxurrada levou seu corpo embora na correnteza e eu agarrei chorando na sua alma que chegou tão atrasada

de Eulírico de Oliveira para Maira

19.11.04

Leave death to the professionals.

“In Italy, for 30 years under the Borgias, they had warfare, terror, murder, bloodshed, but they produced Michelangelo, Leonardo da Vinci, and the Renaissance. In Switzerland they had brotherly love, they had 500 years of democracy and peace, and what did that produce? The cuckoo clock.”

Orson Welles em The Third Man (1949)

17.11.04

Notícias de Sampa

Olá, querida,
por aqui tá tudo tranqüilo,
e por aí? Aproveitando bastante a viagem?

Não tenho mais passado fome, viu? Comprei mais quinze caixas de sucrilhos e resolvi o assunto. Banho também não é problema. Aquele que tomei no dia da sua viagem até que está aguentando bem. Tenho dormido otimamente bem no sofá, assim quando eles gritam gol na TV eu não preciso ir correndo para a sala. O que criou um certo problema, já que fiquei muito distante do telefone. Mas a secretária eletrônica tem dado conta bravamente do recado, ou dos recados. Você sabia que ela guarda até noventa e nove recados? Depois disso ela pára de gravar. Mas, tudo bem, a maioria das pessoas ligou mais de uma vez eu já sei em termos gerais o que elas querem. Assim que eu achar minha caderneta de telefones eu retornarei as chamadas.

A Dona Cleide não vai poder vir de novo essa semana. Seria bom que ela viesse, porque o pessoal derrubou cerveja durante o jogo e o piso inteiro tá meio grudento, a não ser perto do banheiro, onde o vazamento da pia acabou, felizmente, limpando sozinho a melequeira. A cozinha ainda dá para entrar. Os jornais absorveram o leite que estourou, mas se transformaram numa pasta endurecida que dificulta abrir a geladeira. Os forninhos é que não estão funcionando muito bem. O microondas, desde que explodiu uma lata de coca-cola dentro, derruba a voltagem do apartamento; e o forno elétrico está com um cheiro de vômito queimado bem desagradável; o fogão eu parei de usar por que parece que ele está vazando gás de algum lugar. Eu liguei o ventilador para empurrar o cheiro de gás pra janela da cozinha. Outra coisa é que eu não sei mais o que fazer direito é com o lixo que fica atravancando a porta da cozinha. Os saquinhos de lixo acabaram e eu estou embrulhando as coisas em jornal, mas não consigo dar um nó direito nas folhas de papel e o pacote sempre fica assim meio torto. A porta da sala já tá difícil passar por causa de uma montanhinha de cartas acumuladas que meio que travam a porta na hora de abrir.

Mas, sem problemas, eu já levei tudo que eu preciso para perto do sofá. E dá para usar o violão como mesinha enquanto eu faço a fisioterapia com o pé nos baldes. O dedão infeccionou de vez e as pomadas não estão mais fazendo efeito, mas descobri que tomando uns dez voltarens ele pára de doer.

No mais, tá tudo jóia.

Aguardando ansiosamente sua volta.
Grande beijo. Saudades.

Olegário

PS - O seu pai ligou da delegacia várias vezes meio desesperado. Dá uma ligadinha pra ele pra ver o que ele quer. Parece que é importante.
PS 2 - O Bezerra Caolho me arranjou outro pitbull !! É lindo de morrer e se chama Lúcifer júnior!
PS 3 - Por falar nisso. Você era muito apegada às suas botas? Aconteceu um troço aqui. Depois eu conto.

16.11.04

Internetiqueta - preceito 47

Evite sempre os ataques Ad Hominem.
Concentre-se nos ataques Ad Matrem.

7.11.04

Roleta Russa (replay)

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Alguém precisa morrer, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Alguém sempre precisa morrer, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Sempre. Desejos antagônicos só devem ser resolvidos pela anulação total do outro, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Ou pela anulação de si mesmo, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Sempre na esperança que a não-existência traga o não-desejo, Ivan.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

- Ou que a aleatoriedade do gesto de puxar o gatilho seja o modo definitivo de saciar todos os desejos. Assim como em uma má novela em que o autor perde o rumo da história, alguém termina morto. Alguém sempre precisa morrer, Bóris.

Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr – CLICK

– Mas tem certeza que você colocou uma bala no tambor deste revólver, Ivan?

– Você está louco, Bóris? Alguém poderia acabar se machucando!

Na manhã seguinte o corpo de Ivan foi encontrado ao lado da arma. Morto a coronhadas.

5.11.04

A Divina Tragédia (canto VIII) – A Mansão de Lord Buttocks

Lord Buttocks era também conhecido como O Autor. Era um escritor tão bom, seu conhecimento da alma humana tão profundo e suas descrições tão vívidas, que os seus personagens realmente criavam vida e saíam por aí. Eles passeavam pela propriedade de Lord Buttocks e jogavam croquet. Alguns até chegavam a se assanhar com a criadagem, mas logo Lord Buttocks, O Autor, ameaçava alterar alguma característica física deles em uma nova edição de seus livros e eles retornavam obedientes ao chá e torradas com geléia de damasco.

Porém, agora, os seus personagens estavam morrendo. Um a um. E também seus investigadores. Ninguém descobrira a razão.

Na entrada da propriedade de Lord Buttocks não havia portões. O caminho até a Mansão era protegido por um asseado jardim em forma de labirinto. Como o de Versailles. Apenas um pouco maior e com plantas carnívoras. Não muitas. O suficiente para desencorajar seus diversos fãs e tias-avós em visitas-surpresa.

Resolvi alugar um taxi-aéreo para passar por cima do labirinto. Taxi-aéreo no Céu são uns anjões com umas fitas de seda resistentes e coloridas que formam uma balança aonde senta o passageiro. Ele me deixaria diretamente no hall de entrada da mansão. O anjo que eu peguei era careca e falava fluentemente o paquistanês e o aramaico. Pena que eu não. Consegui me fazer entender por gestos. É preciso ter muito cuidado. Nosso tradicional gesto de positivo é entendido aqui no Céu como "tem penas de urubu saindo das nádegas peludas da sua irmã caçula". Uma ofensa grave.

Como eu imaginava, a vista aérea revelou que o labirinto não tinha saídas para a parte interna da propriedade. Imagino que aquela velha e pequenina senhora de chapéu florido carregando uma travessa com docinhos ainda perambularia muito tempo por ali. Do alto a propriedade se mostrava ensolarada e magnífica. Daria para assentar por ali umas cinqüenta famílias de sem-terra. No mínimo. O taxi aéreo me deixou ao lado da réplica da Fontana di Trevi, onde se banhava uma réplica da Anita Ekberg, diante da entrada da mansão.

Paguei a curta viagem com sete balas juquinha de morango, uma iguaria que acredito ser muito apreciada por aqui. O anjão careca fez um sinal de positivo para mim e, resmungando, levantou vôo.

– Fola! Não pode entlá!

Fui recebido inamistoamente por Nun Li, mordomo de Lord Buttocks, um mau-humorado chinezinho de 60 centímetros de altura. Não era um chinês baixinho, atarracado, mas uma miniatura perfeitamente proporcional de um chinês típico. A cabeça parecendo um ovinho invertido, chapeuzinho preto, bigodinhos finos, vestes de seda vermelha e andar de gato de porcelana. Tudo em miniatura.

Nun Li e Nun Goj-Tei eram irmãos gêmeos. Ambos nasceram, coincidentemente, na mesma casa, no mesmo dia, na mesma hora, embora de mães diferentes. Nun Li era o mordomo de Lord Buttocks e Nun Goj-Tei o motorista do riquixá de Christie, a gata de estimação de Lord Buttocks.

– Não pode entlá!

O mordomozinho chinês, muito sofisticado, sabia 37 idiomas e dialetos, oito línguas mortas e três agonizantes. E odiava falar português. "Lingua hololosa. Palece um lusso embliagado falado ao contlálio." Assim, fazia questão de trocar sempre que possível o R pelo L. Para ridicularizar o ouvinte. É a tal da sabedoria chinesa, acho.

– Senhor Nun Li, eu venho, com uma puta humildade, oferecer os meus especializados serviços ao seu patrão.

Dei meu cartão ao chinezinho que o olhou como se eu tivesse assoado o nariz nele. No cartão ou no chinês. Tanto faz.

– Michaetch M. Wladisknivlonzky, pediculo?
– Não, não sou pedicuro, sou Nivronsky, detetive particular. Foi um erro de impressão. É difícil achar boas gráficas no Inferno. E quando se encontra, estão sempre sacaneando.
– Infelno, é? Então, seu Nivlonsky, é uma alma etelnamente danada?
– Exatamente. E vim resolver esse pequeno incoveniente dos assassinatos em série.
– Hmmmm…

O pequenino chinezinho levantou uma sobrancelha. Levantou também a extremidade de seu bigode e o dedo mínimo do pé direito. Algumas engrenagens metafóricas mexiam na sua cabecinha de bibelô. Ele sabia que as almas eternamente danadas não correm o risco de renascer. Assim eu não correria o risco de terminar como os outros investigadores desse caso misterioso, reencarnando abruptamente na Terra.

– Pol favol, agualde na ante-sala.

Segui o minúsculo mordomo. A ampla sala era uma réplica do interior do Palácio Ducal de Veneza. Só que feita com bom gosto. Ou seja, completamente diferente.

As paredes e o teto eram totalmente recobertos por pinturas e afrescos que estavam sendo repintados por Frederick Lord Leighton. Nessa versão de outono o pintor estava representando as diversas musas. Do teatro, da música, da pornochanchada, do badmington. A musa Yabusa (a musa dos trocadilhos) cansada de posar como modelo, ressonava sobre um divã turquesa. O Próprio Lord Leighton, aliás, dormia pendurado em um cabide num dos cantos do salão com a palheta ainda pendurada nas mãos.

Acontecia que, curiosamente, todas as musas e todas as mulheres pintadas em qualquer cômodo da casa acabavam sempre se parecendo com a Shirley Maclaine novinha. Uma verdadeira obsessão de Lord Buttocks. Uma paixão que jamais seria correspondida, pois a Shirley Maclaine há muito tempo reencarna sucessivamente no mesmo corpo. Sabe-se, porém, que quando terminar a última reencarnação ela será levada por um disco voador para uma outra galáxia em outra dimensão. É essa dor do amor impossível que faz Lord buttocks escrever. A dor e as ameaças do editor.

Porém eu sentia que devido à série de assassinatos ocorrida naquela casa o ambiente estava pesado. Parece que havia uma tensão no ar. Era possível reparar essa tensão no mármore do chão e também nos móveis de marchetaria tcheca. Os candelabros estavam tensos. A casa estava visivelmente toda tensa. Um cálice de champanhe estalou na cristaleira. Lord Leighton acordou, resmungou algo sobre a escassez do verde cádmio e dormiu novamente. Nun Li retornou ao aposento:

– Lord Buttocks o espela no outlo lecinto.

4.11.04

Se Fôssemos um País Civilizado

Luiz Inácio Lula da Silva acompanharia muito atento, na TV Record, o mapinha do Brasil que iria lentamente se colorindo de vermelho e de azul. Tomaria mais um trago da branquinha. A apuração correria apertadíssima e ele faria as contas em seus nove dedos: com os quatro votos do Piauí e os três de Roraima, ele poderia recuperar o revés da perda dos seis votos do Rio Grande do Norte.

A contagem estancaria em Minas nos 72%. Um problema com as cédulas perfuradas.

Os analistas diriam que nesta eleição Minas Gerais faria o mesmo papelão que o Rio de Janeiro fizera há quatro e há oito anos atrás. Alkmin já estaria preparado para apelar a Aécio Neves para que fizesse a recontagem dos votos de Minas somando os votos vindos do exterior dos emigrantes de Governador Valadares.

Bóris Casoy passaria o Estado de Minas e seus vinte e oito votos no colégio eleitoral para a cor abóbora; indefinido.

Mas Lula saberia – assim como qualquer brasileiro – que existe essa tradição, essa superstição, esse tabu incontestável: quem ganha no Estado da Bahia sempre vence a eleição. Não tem conversa. E, distraído, alisaria no pulso a encardida fitinha do Nosso Senhor do Bonfim, prestes a arrebentar.