28.6.06

Das razões de meu ateísmo

E você? Sabe o que significa essas cinco pedrinhas, mermão?



Quem diria que teríamos saudades dos tempos em que ensinavam as petizes a fazer a dança-da-garrafinha?

18.6.06

Desvendando o Código Naji Nahas

capítulo 12

José Saramago examina minuciosamente a lâmina da cimitarra enquanto Professor Epaminondas e Buluca servem-se de uma bandeja de quibes dentro de uma despensa da cozinha do Habib's.

"Essa espada pertence definitivamente à Turcaiada dos Infernos" diz o literato português. "A Turcaiada dos Infernos é uma congregação secreta que representa os descendentes dos mouros que ocuparam a Península Ibérica durante o Califado de Córdoba e se reúne toda sexta-feira no Clube Sírio-Libanês para jogar biriba e tramar conspirações. A Turcaiada quer impedir que Brasil e Portugal restaurem, conjuntamente, a sua glória ancestral. Querem impedir que aconteça o Quinto Império." "O Quinto Império não é uma escola de samba?" pergunta Buluca. "Não, mas quase acertaste, menina. O Quinto Império é a conjunção de duas forças separadas há muito tempo: o lado da sabedoria, da ciência, do raciocínio e dos donos de padaria; e o lado do conhecimento oculto, a intuição, a especulação mística e do samba no pé. Dos que pensam sem falar e dos que falam sem pensar. Ou seja, a reunião de Portugal e Brasil. O encontro destas duas forças já fora profetizado muitas vezes por Nostradamus, por Bandarra, por Vieira, por Pessoa e teria um momento preciso, embora ainda ignorado, para iniciar. É exatamente isso o que a Turcaiada dos Infernos deseja impedir que seja revelado."

"Sim!" Completa o professor, falando de boca cheia. "De acordo com minhas pesquisas e o que li no verso da caixa de Sucrilhos, a função da Turcaiada dos Infernos foi, primordialmente, atrapalhar os cruzados que iriam à Terra Santa. Fingindo-se de vendedores ambulantes, vendiam a preços módicos quibes e esfihas envenenadas, que provocavam nos cruzados uma diarréia que poderia durar meses." Saramago completa. "A Turcaiada, hoje, tem braços nas principais instituições, no BNDS, na Polícia Federal, no SBT, no Detran, na Fiesp, na Daslu. Paulo Maluf, Calim Eid, José Izar, Nabi Abi Chedid, Afif Domingos, José Farah, Abílio Diniz, são chefões da Turcaiada. O Líder, conhecido como o 'O Nababo', é o megainvestidor e afundador da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Naji Nahas. Uma seita peculiar, esta, onde só há tesoureiros, pois nenhum deles confiaria o dinheiro a um outro turco."

"E por que estão me perseguindo?" Indaga Buluca se deliciando com mais um quibinho. José Saramago faz movimentos lentos e vigorosos empunhando a cimitarra, como se estivesse cortando a cabeça de sarracenos em um filme do Mel Gibson. "Eles sempre têm boas razões, menina. Mandaram destruir Canudos, que seria o palco para a Restauração. Para apagar todas as provas construíram uma usina hidroelétrica e inundaram o povoado. Conspurcaram a imagem de Antônio Conselheiro, fazendo dele um simples catador de papelão. Fizeram por assassinar todos os que participaram da Semana de Arte Moderna de 22, e os penduraram de ponta cabeça no Viaduto do Chá. Levaram a Capital Federal para o meio do planalto, para dificultar o natural acesso marítimo à Portugal. Fecharam o túnel que ligava São Tomé das Letras a Macchu Picchu. Mataram o Ayrton Senna, o Tancredo, o Bussunda…"

Ao escutarem a voz modorrenta de Saramago, professor Epaminondas e Buluca começam a se sentir tontos e a ver a cozinha rodando, rodando. "O que você pôs nesse quibinho, além de hortelã, cebolinhas e uma deliciosa carne de proveniência duvidosa, seu portuga traidor dos infernos?" Amaldiçoa o professor. De repente, para os dois, tudo escurece.

16.6.06

Desvendando o Código Glauco Matoso

Capítulo 10

Professor Epaminondas examina novamente o documento amarelado e envelhecido. O papel contido no cartucho de Antônio Conselheiro revela-se um antigo decreto das Cortes Portuguesas, rubricado como autêntico pelo Padre Antônio Vieira, traduzido por Glauco Matoso, com prefácio de Raul Solnado e notas de rodapé de Nelson Ned. É um ato oficial do Governo Imperial Português, datado de 1578, tornando inválidas todas as ações administrativas outorgadas ou executadas por maçons.

Professor explica a Buluca que, como Dom Pedro I era maçom, a independência brasileira, de acordo com esse decreto, não poderia ter sido proclamada e estaria, portanto, invalidada, mudando para sempre os destinos de toda a Humanidade e melhorando substancialmente as chances de Portugal na Copa do Mundo.

Buluca fica atônita (de uma maneira nonchalante). "Isso quer dizer que o Brasil ainda é colônia de Portugal!?!?" "Sim! Você sabe o que significa isso?" "Significa que nós, mulheres, não precisaremos mais raspar as pernas nem as axilas?" "Significa que a partir da Independência nada mais na história do Brasil teve validade: a libertação dos escravos, a Proclamação da República, a Revolução de 30, o Maracanazo, Brasília, o Golpe de 64, a tintura do bigode do Sarney, a Xuxa, as privatizações, nada disso valeu, nada disso tem legitimidade, é como se nunca tivessem existido! Você entende isso, Buluca, você compreende as conseqüências disso que estou te dizendo? Você compreende???" "Professor, o senhor está com um pedacinho de couve no meio dos dentes..." "Aqui?" "Não, não, do outro lado." "Hmm… mmm… saiu?" "Ainda não." "Mmmmm… mmmm… E agora?" "Saiu, saiu."

Capítulo 11

Professor Epaminondas ficara com a cimitarra-dourada-faca-guinzo do árabe. Os intrincados arabescos já revelaram que não era uma cimitarra dourada de árabe assassino maluco comum. Parecia a cimitarra de árabe assassino maluco muito especial. Decidiram ir ao Centro de Estudos Secretos Árabes-Portugueses da Cidade de São Paulo e Adjacências, o CESAPCSPA, que se localizava na cozinha do Habib's da rua Augusta. "Você não sabia? O Habib's pertence à Alberto Saraiva, um português. Faz tudo parte do disfarce."

Passam por uma porta lateral do Habib's da Augusta, guardada por dois motoboys. O professor faz um sinal secreto batucando no capacete do motoboy e o este retribui cutucando o sovaco do professor. Eles se esgueiram por uma passagem estreita entre o tabule e a coalhada seca. Ao entrar na pequena cozinha o professor mostra a cimitarra para um sujeito ocupado em rechear esfihas. Esse cozinheiro, velho, magro, careca, óculos pesados, tem um rosto bastante familiar. É? Não é? Sim, é o José Saramago, que os recebe com um gentil e carregado sotaque lusitano. "Entrem, por favor, acaba de sair uma fornada de quibinhos. A menina está servida?"

12.6.06

A dança das cadeiras (ou um passinho para a direita, faz favor)

Pára tudo! Pára tudo! Tá tudo errado! Tá tudo trocado! O partido do neoliberalismo deveria ser o PFL, certo? O Partido da Frente Liberal, certo? É o partido do ACM e do Bornhausen, que não são neoliberais, são praticamente fascistas. Daí tem o PSDB, que em vez de ser social-democrata é neoliberal. O PT supostamente é socialista, mas na prática é social-democrata. Os diversos partidos comunistas são, no máximo, socialistas. E, no final das contas, quem é comunista? O Cláudio Lembo! Assim num é possírvi!

11.6.06

Desvendando o Código Carlos Zéfiro

Capítulo 9

Correndo pelo centro da cidade, com o árabe assassino atrás, brandindo uma cimitarra dourada, Professor Epaminondas não resiste a dar a Buluca uma Guided Tour pelo centro de São Paulo. "Aqui é o Pátio do Colégio, onde começou a cidade. É sabido que os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta já conheciam o segredo de Antônio Conselheiro. Apesar dos conhecidos milagres que fez em vida, Anchieta não foi canonizado. Coincidência? Em 1760 os Jesuítas são declarados ilegais e são expulsos do Brasil. Coincidência? Pisei num chiclete. Coincidência?" "Professor, podemos correr mais depressa?" "Olhando à direita você verá a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Se você olhar para a esquerda verá a estátua do Duque Duralumínio e da Princesa Safiri…" "Professor, se o senhor olhar para trás verá que o árabe maluco está nos alcançando."

Professor Epaminondas vira-se e rapidamente abraça o árabe dizendo "Parabéns! Parabéns!" Grita para as pessoas em volta: "Foi ele! foi ele que ganhou a MegaSena! PArabéns, viu?" A multidão instantaneamente cerca o árabe que começa a gritar coisas bastante desabonadoras a respeito da conduta da Condolezza Rice. Enquanto isso, professor e Buluca se escondem na Biblioteca Mario de Andrade. "Sabia que os Catecismos de Carlos Zéfiro foram escritos na verdade pelo Mario de Andrade? E que a simbologia contida naquelas mulheres tortas são derivadas de um código hindu que…" "Professor, já temos mistérios suficientes nas mãos. Que tal me falar sobre o documento que está no cartucho?" "Ok. Ok."

10.6.06

Desvendando o Código Artur Bispo do Rosário

Capítulo 8

Felizmente para Professor e Buluca os mecanismos de proteção aparentemente foram produto da engenharia lusitana. Assim, a água que iria inundar o recinto acaba escoando pelo buraco no chão; o desabamento do teto interrompe o avanço da parede de espinhos e o pêndulo acaba por travar o avanço da pesada bola de pedra. Os dois sobem tranqüilamente a escada em caracol em direção à Praça da Sé, levando o cartucho com o Segredo Secreto dos Guardiões do Estandarte de Antônio Conselheiro.

Porém, esperando-os em frente à Catedral, disfarçado de Dom Paulo Evaristo Arns engolindo giletes, está o sinistro árabe assassino.

O árabe grita algo contra as fontes de energia renováveis e a perseguição recomeça.

9.6.06

Desvendando Código Décio Piccinini (Parte III)

Capítulo 7

Professor Epaminondas abre o cartucho e fica estupefato. Buluca diz que o professor fica estupefato com muito aplomb. Professor responde que Buluca diz 'aplomb' com muita 'nonchalance'. Buluca diz 'bidet', 'abajour', 'passepartout', fazendo biquinho. Rola uma tremenda energia-gracinha entre os dois. À luz do lampião, professor Epaminondas aproxima-se mais e mais de Buluca. Buluca fecha os olhos esperando o beijo.

Neste momento - uÓuÓuÓuÓuÓ - o alarme do santuário soa. Algum mecanismo de proteção do segredo começa a entrar em ação. O chão começa a tremer, abre-se um buraco no piso. Parte do teto das Catacumbas começa a desabar. O recinto começa a se encher de água. Espinhos aparecem nas paredes que automaticamente começam a se fechar. Um pêndulo com uma lâmina afiada desce do teto. Uma enorme bola de pedra despenca rolando velozmente para esmagar os ocupantes da sala.

8.6.06

Nao é estranho…

…que quanto mais cristão o sujeito se diz mais ele gosta de bater na outra face?

6.6.06

Desvendando o Código Brecheret (parte II)

Capítulo 4

Um homem careca aponta para uma das salas da Pinacoteca. "Ei, venham por aqui!". Professor Epaminondas e Buluca fogem do árabe assassino por um túnel escondido atrás de um quadro de Benedito Calixto, e vão seguindo a passos rápidos o misterioso homem careca. O túnel termina em uma cela do DOPS do outro lado da avenida. "Ei, você não é o Vladimir Herzog?" "Sim, sim, fui eu que construí este túnel. Mas não tenho tempo para explicar agora. Venham por aqui, entrem nesse rabecão do IML e se escondam debaixo dos corpos de supostos membros do PCC ainda não autopsiados ." "Mas… mas…" "Isso não é hora de frescurinhas! Entrem logo!".

Professor Epaminondas desconfia que Vladimir Herzog estava a lhe preparar uma armadilha e imagina que o velho comunista deseja apenas lhe roubar a sua estranha chave. Professor Epaminondas bate com um pesado busto de Erasmo Dias na cabeça de Herzog e foge adentrando pela estação Luz do metrô, arrastando a assustada Buluca pela mão. Justo a tempo, pois o árabe assassino acaba de sair do túnel procurando a dupla.

Capítulo 5

No metrô, ao examinar a estranha chave, Professor Epaminondas verifica que nela há um pequeno Abaporu entalhado. Começa então a divagar sobre a Semana de Arte Moderna de 22. Explica a Buluca que o famoso grupo modernista era, na verdade, a reconstituição de uma antiga Ordem secreta, como bem representara Victor Brecheret no monumento "Deixa que eu empurro". Villa-Lobos cifrara os estatutos da Ordem em suas Bachianas. Professor Epaminondas já girara vários LPs de Villa-Lobos ao contrário para confirmar a teoria e conseguira compilar uma série mensagens deixadas pelo famoso maestro, mas que faziam ainda pouco sentido: "Ele voltará, ele voltará", "Mussum is dead, daddy too", "Mario é um homossexual enrustido" e "Você está estragando a sua vitrola, imbecil".

Depois de tomar o caminho errado três vezes e fazer várias baldeações, que involuntariamente acabaram despistando seu perseguidor árabe, o Professor Epaminondas e Buluca acabam descendo na Estação Sé do metrô. "Venha. É por aqui que a chave se encaixa" "Como o senhor sabe, professor?" "Elementar, minha cara Buluca, leia novamente as instruções de seu tio: o importante líder zapatista é o comandante Marcos. E a nota dada à administração Kassab é zero. Naturalmente, Marco Zero." "Oh, professor, o senhor possui uma mente tão avantajada" "Sim, sim, querida Buluca, avantajada, intumescida e latejante. Você teria uma aspirina, por acaso?"

Em cada uma das facetas do Marco Zero em frente à Catedral da Sé há uma figura diferente. Uma delas é a de um navio. Professor Epaminondas consegue encaixar a estranha chave na figura náutica. Ao girar a chave, ouvem um barulho de pedras raspando. A fonte da praça começa a jorrar e o pedestal se abre revelando uma passagem secreta conduzindo uma antiga escadaria em espiral.

"Os Guardiões do Estandarte!", murmura o professor. "Como, professor?" "Os Guardiões do Estandarte de Antônio Conselheiro!", repete o catedrático enquanto desce as escadas ilumindando-as com um lampião a querosene que costuma trazer sempre no bolso para estas ocasiões. "Estas, Buluca, são as Perdidas Catacumbas da Sé!!"

Capítulo 6

"Professor, não é estranho que a reconstrução da Catedral da Sé, a total reforma da Praça na década de 70 e as obras da estação do metrô que passa exatamente aqui em baixo jamais tenham revelado estas misteriosas catacumbas dos Guardiões do Estandarte?" "Deus escreve certo por linha tortas, Buluca" "O que isso quer dizer, professor?" "Que Ele fez um bom curso de caligrafia."

Nas Catacumbas da Sé eles encontram diversos nichos nas paredes, são sepulcros com os corpos preservados de José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Oswald de Andrade, Jimmy Hoffa, Dana de Tefé, Vigilante Rodoviário e seu cãozinho Lobo. Todos eles perfeitamente embalsamados, excetuando Jânio Quadros, que foi preservado em álcool. Cada um deles carregando estranhas relíquias em suas mãos. Nas mãos de Pagu, o pênis embalsamado de Samuel Weiner. Nas mãos de Carlos Lacerda, os fundilhos do pijama de Getúlio. No último nicho está Ariano Suassuna. "Uai, professor, esse aí não está vivo ainda?" "Não, querida, este é… o verdadeiro e único… Antônio Conselheiro. Aquele velho que você chama de Ariano Suassuna é apenas uma réplica feita pelos Os Guardiões do Estandarte, que simplesmente a utilizam para confundir as pessoas..." "Como assim confundir? Não estou entendendo." "Não está? Viu como está funcionando bem?"

"Canudos, na realidade, nunca existiu. Bem, existiu, mas não da forma com que está contada nos livros. Os Sertões é simplesmente uma obra de ficção de Euclides da Cunha que procurou propositalmente denegrir a imagem de Canudos. Uma cortina de fumaça. Euclides foi contratado pela família Mesquita que comandava o jornal A Província de São Paulo, o antigo nome do Estadão, para inventar uma história fantástica e absurda para acobertar a verdade sobre Antônio Conselheiro. E, como Almeida Júnior, Euclides da Cunha morreu assassinado pelo amante de sua mulher." "Não era o contrário, professor?" "Não. Tenho certeza que ele não matou a mulher. Foi o Euclides, mesmo. Uma clara queima de arquivo".

"Ocorre que o verdadeiro Antônio Conselheiro era um homem muito culto, educado em Coimbra, um sábio de muitas posses e cursos de alquimia nos sete Egiptos, sétimo dan nos Roscrucis, na maçonaria chegou a títulos inéditos como Baluarte do Umbral de Alcácer-Quibir, Grão-Mestre-de-Cerimônias do Quinto Evangelho Adormecido, Protetor do Terceiro Segredo de Évora e dos pasteizinhos de Santa Clara, este último título decidido nos pênaltis. Porém, no auge de sua carreira de eminência-parda, Antônio Conselheiro decidiu largar tudo, deixou o cabelo crescer, passou a usar chinelão, começou a se interessar por cromoterapia e cristais, resolveu viver a vida de pés para o alto e criar uma comunidade alternativa em Trancoso, no sul da Bahia. Mas por quê? O que teria ocasionado esta mudança tão radical? Alguns estudiosos acham que era um mero despiste para poder guardar um Segredo tão terrível que nem o ápice da pirâmide maçônica poderia saber. Outros pesquisadores crêem que foi exagero na mescalina mesmo. De qualquer modo, como lhe teria sido revelado pelas ciências arcanas que o sertão iria virar mar e o mar, sertão, ele decidira não fazer sua pousada à beira-mar e sim bem no meio da caatinga. Outras pessoas a ele se juntaram e montaram suas barraquinhas de artesanato e suas plantações de maconha. Alguns trouxeram cocaína da Bolívia (daí o nome Canudos). Antônio Conselheiro construiu sua pousada, toda branca, estilo mediterrâneo, e ficou lá, sentado em sua cadeira de balanço, esperando o marzão chegar."

Professor Epaminondas continua dissertando enquanto ilumina os mártires Guardiões do Estandarte com seu lampião. "Porém, quem chegou em Canudos foram os canhões do exército republicano que acabaram por destruir completamente a comunidade alternativa de Conselheiro, sem que conseguissem encontrar o seu segredo mais secreto, que permanece oculto, escondido e desaparecido até hoje."

Buluca retira das mãos do embalsamado Antônio Conselheiro um cartucho cilíndrico com os seguintes dizeres: "Atenção. Contém documento super-hiper-secreto. Não deve ser lido por ninguém nunca sob nenhuma circunstância em absolutamente nenhuma hipótese" "Parece ser importante, professor" "Hmmm, talvez, quem sabe?"

5.6.06

Desvendando o Código Di Cavalcanti (parte I)

Capítulo 1

O cadáver do Comendador Pascácio, um famoso mecenas paulista, é encontrado enforcado no átrio central da Pinacoteca de São Paulo. Na realidade o corpo já fora achado vários dias antes, porém todos imaginavam que se tratasse de uma instalação. Os funcionários somente começaram a desconfiar devido ao fedor insuportável que emanava da obra, pior até que o auto-retrato com ovos e bacon de Vik Muniz de 1983.

Sua sobrinha, Maria Eliane de Menezes Matarazzo Almeida Prado Alcântara de Bragança e Bourbon, conhecida como "Buluca", dirige-se à Pinacoteca para reconhecer o corpo do tio, carregando consigo o professor Epaminondas Junqueira da cadeira de Semiologia, Artes Cinéticas e Candomblé da PUC-SP. O professor Epaminondas é o orientador de mestrado de Buluca "Kant, Dansi e Sapateye - a epistemologia dos musicais da Broadway".

A perícia detectou que o Comendador Pascácio levara dezoito facadas nas costas e três porretadas na nuca antes do enforcamento. Os técnicos da polícia paulista trabalhavam com a hipótese de suicídio.

Buluca desconfia do sorriso que seu tio trazia no rosto, pois o Comendador era um sujeito bastante austero e sisudo. Aproveita um momento em que a perícia se distraiu vendo quadros de mulher pelada e examina a boca do Comendador. Encontra dentro de suas bochechas um saquinho plástico envolvendo um bilhete. Ao abrir o bilhete Buluca diz "Está muito difícil de ler. A mensagem está escrita de trás para frente e de baixo para cima". Professor Epaminondas, que conhece à fundo as manhas da decifração de códigos e o sudoku, usa a técnica milenar de girar a folha 180 graus até o texto ficar de pé. Eles se surpreendem com o conteúdo do bilhete.


Capítulo 2

Comendador Pascácio, minutos antes de morrer, tivera tempo de programar uma pequena gincana pela Pinacoteca de São Paulo e escondera diversas pistas nos quadros e ovinhos de chocolate para as crianças. O bilhete diz "Olhem atrás do quadro do Di Cavalcanti" e também trazia os números 32 42 52. Professor Epaminondas registra a complexa série em sua mente privilegiada. Buluca insiste para que fossem imediatamente procurar o tal quadro do Di Cavalcanti, mas o professor Epaminondas considera as mulatas de Di Cavalcanti grosseiras, mal pintadas e muito das sem-graça e prefere visitar a sala de Almeida Júnior, "Aprenda, Buluca, isso sim é que é pintor!".

Ao entrar na Sala de Almeida Júnior, o professor Epaminondas começa a discorrer sobre os diversos mistérios que envolvem a vida e a obra do artista. "José Ferraz de Almeida Júnior foi um pintor nascido em Itu, São Paulo. Ele já era bastante apreciado quando em 1876 o Imperador Dom Pedro II o outorgou com uma bolsa para estudar na Europa. Em Paris, Almeida Júnior teria entrado em contato com uma antiga e misteriosa Ordem de origem portuguesa que o iniciaria nos segredos arcanos da "pincelada no vácuo com chute lateral" e na confecção dos verdadeiros pasteizinhos de Santa Calra."

"De volta ao Brasil, continuou sua carreira de fama, glória e sucesso. Foi amante de Maria Laura do Amaral Gurgel, mas certo dia foi apanhado no flagra e morto a punhaladas pelo marido. Pelo menos é o que diz a história. Muitos desconfiam que sua morte tenha sido por outro motivo. As famílias tradicionais e quatrocentonas estariam descontentes pois Almeida Júnior estaria revelando em seus quadros segredos que deveriam ficar para sempre resguardados. Os Segredos de Évora." "Mas que segredo, professor?" "Se eu contasse não seria um segredo, seria?"

"Mas há muitos indícios. Veja esta pintura, por exemplo."

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"O quadro de Nhá Chica pode ser resumido estruturalmente a dois triângulos retângulos, um maior outro menor. Como se sabe desde Pitágoras, a soma dos quadrados dos catetos é igual ao volume do líquido deslocado. Assim, a soma de 3 ao quadrado mais 4 ao quadrado é igual a 5 ao quadrado. Logo, 32 42 52, como no bilhete. Ou, por outro lado, o Comendador Pascácio estivesse somente pensando em jogar no bicho."

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"De qualquer modo, repare que cada um dos triângulos, como o PMDB, aponta para um lado distinto. Nhá Chica está na janela à espera de algo. Mas do quê exatamente? É um mistério que involve os críticos de arte há quatro séculos" "Mas o senhor disse que ele nasceu em 1850 e portanto não…" "Sim, sim, não me interrompa. Nhá Chica olha para a direita, que é o Oriente. Seu cachimbo aponta para o Nascente, direção pela qual os navegantes chegaram ao Brasil. Os dois triângulos lembram também a forma das velas latinas usadas pelas caravelas que por aqui aportaram. Coincidência? O bule, inclusive, é um símbolo clássico de androginia (assim como a própria Nhá Chica, não sei se você reparou) pois ele é ao mesmo tempo um recipiente, um útero, por assim dizer, mas também possui um bico, um falo. É o bule hermafrodita citado nos clássicos, o a Relíquia Masculino-Feminina, está acompanhando?" "Estou, mas o que isto tem a ver com…" "A-HÁ! Siga-me até este outro quadro"

"Pois quem quer que seja que Nhá Chica esperava, neste quadro ele chegou."

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"No entanto ainda é muito cedo. Repare como há uma verdade prestes a ser revelada, mas ainda não é o tempo, ainda não é o momento. Há muitas referências e simbologias nesta tela também. As Listras Horizontais. A Cadeira. O Tapete. A Pena no Cabelo. Porém o mais importante é a pintura no alto, ao lado da cortina, que revela um mar revolto onde uma nau acabou se perdendo em uma tempestade." "Mas, professor, para mim parece um campo com árvores…" "MAS NÃO É! É um mar revolto, estou lhe dizendo."

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"Se você se afastar o suficiente, ficar meio na diagonal, bem na posição apontada pelo quadro de Nhá Chica e semicerrar os olhos até ficar tudo muito embaçado, você verá que a pintura se parece com um mar revolto onde uma nau acabou se perdendo na tempestade, oras!" "Mas se eu fizer isso, professor, eu posso acabar vendo qualquer coisa!" "Exatamente! Noto que você está progredindo rapidamente. Repare nesta outra pintura:"

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"O Violeiro, um dos quadros mais controversos de Almeida Júnior" "Por que controverso, professor?" "Porque Almeida Júnior estava completamente nu quando o pintou. E usava pernas-de-pau e uma máscara africana. E cantava Nessum Dorma em falsete. Mas enfim. Ele retrata um violeiro, um trovador, praticamente um menestrel medieval. A parede de barro, a camisa xadrez, o lenço amarelo seguro com as duas mãos pela Frida Kahlo são simbologias bastante óbvias e certamente não preciso discorrer a respeito."

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"Agora, veja que essa imagem também pode ser decomposta em formas geométricas básicas. Se fizermos o triângulo retângulo vermelho em torno do violeiro, um triângulo isóceles púrpura sobre a Frida Kahlo e um retângulo verde-azulado na moldura da janela, o que teríamos?" "Teríamos arruinado completamente o quadro?" "Exatamente! Passemos a esta outra pintura…"

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"O famoso 'Caipira picando fumo'. O Mono Liso Brasileiro. Seus pés são considerados tão enigmáticos quanto o sorriso de sua antípoda no Louvre. Essa figura piolhenta do Caipira parece serena, pacata e sossegada, não? Incapaz de fazer mal à qualquer pessoa. Pois bem. Se eu pegar esse marcador vermelho-sangue e fizer assim, assim, assim, aaaassssssim e assim, ops, foi demais, assim não, mais tipo assim, isso, não pareceria uma figura demoníaca?"

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"Professor, isso não está ajudando muito, poderíamos voltar à primeira pista, ao quadro de Di Cavalcanti?" O Professor Epaminondas, contrariado, acaba concordando mas gostaria de deixar bastante claro que considera Di Cavalcanti definitivamente "overrated".


Capítulo 3

Atrás do quadro de Di Cavalcanti, que eles deveriam ter olhado logo de cara, está uma pequena caixinha de bom parecer. A tampa da caixinha traz o desenho de uma nau portuguesa e o símbolo da Cruz de Malta. "Ele era vascaíno" explica sua sobrinha. Dentro encontram uma chave estranha com o seguinte bilhete em forma de charada escrito a lápis:

1 - Importante líder zapatista, usa touca e fuma cachimbo.
2 - Nota da administração Kassab.
3 - Ligar para dona Margarida e renovar o seguro de vida, que vai vencer logo. Comprar leite, café solúvel e pomada para hemorróidas.

Neste momento um árabe grita "Jihad! Morte aos infiéis!" com uma faca Guinzo nas mãos e começa a os perseguir pelos saguões da Pinacoteca.