capítulo 12
José Saramago examina minuciosamente a lâmina da cimitarra enquanto Professor Epaminondas e Buluca servem-se de uma bandeja de quibes dentro de uma despensa da cozinha do Habib's.
"Essa espada pertence definitivamente à Turcaiada dos Infernos" diz o literato português. "A Turcaiada dos Infernos é uma congregação secreta que representa os descendentes dos mouros que ocuparam a Península Ibérica durante o Califado de Córdoba e se reúne toda sexta-feira no Clube Sírio-Libanês para jogar biriba e tramar conspirações. A Turcaiada quer impedir que Brasil e Portugal restaurem, conjuntamente, a sua glória ancestral. Querem impedir que aconteça o Quinto Império." "O Quinto Império não é uma escola de samba?" pergunta Buluca. "Não, mas quase acertaste, menina. O Quinto Império é a conjunção de duas forças separadas há muito tempo: o lado da sabedoria, da ciência, do raciocínio e dos donos de padaria; e o lado do conhecimento oculto, a intuição, a especulação mística e do samba no pé. Dos que pensam sem falar e dos que falam sem pensar. Ou seja, a reunião de Portugal e Brasil. O encontro destas duas forças já fora profetizado muitas vezes por Nostradamus, por Bandarra, por Vieira, por Pessoa e teria um momento preciso, embora ainda ignorado, para iniciar. É exatamente isso o que a Turcaiada dos Infernos deseja impedir que seja revelado."
"Sim!" Completa o professor, falando de boca cheia. "De acordo com minhas pesquisas e o que li no verso da caixa de Sucrilhos, a função da Turcaiada dos Infernos foi, primordialmente, atrapalhar os cruzados que iriam à Terra Santa. Fingindo-se de vendedores ambulantes, vendiam a preços módicos quibes e esfihas envenenadas, que provocavam nos cruzados uma diarréia que poderia durar meses." Saramago completa. "A Turcaiada, hoje, tem braços nas principais instituições, no BNDS, na Polícia Federal, no SBT, no Detran, na Fiesp, na Daslu. Paulo Maluf, Calim Eid, José Izar, Nabi Abi Chedid, Afif Domingos, José Farah, Abílio Diniz, são chefões da Turcaiada. O Líder, conhecido como o 'O Nababo', é o megainvestidor e afundador da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Naji Nahas. Uma seita peculiar, esta, onde só há tesoureiros, pois nenhum deles confiaria o dinheiro a um outro turco."
"E por que estão me perseguindo?" Indaga Buluca se deliciando com mais um quibinho. José Saramago faz movimentos lentos e vigorosos empunhando a cimitarra, como se estivesse cortando a cabeça de sarracenos em um filme do Mel Gibson. "Eles sempre têm boas razões, menina. Mandaram destruir Canudos, que seria o palco para a Restauração. Para apagar todas as provas construíram uma usina hidroelétrica e inundaram o povoado. Conspurcaram a imagem de Antônio Conselheiro, fazendo dele um simples catador de papelão. Fizeram por assassinar todos os que participaram da Semana de Arte Moderna de 22, e os penduraram de ponta cabeça no Viaduto do Chá. Levaram a Capital Federal para o meio do planalto, para dificultar o natural acesso marítimo à Portugal. Fecharam o túnel que ligava São Tomé das Letras a Macchu Picchu. Mataram o Ayrton Senna, o Tancredo, o Bussunda…"
Ao escutarem a voz modorrenta de Saramago, professor Epaminondas e Buluca começam a se sentir tontos e a ver a cozinha rodando, rodando. "O que você pôs nesse quibinho, além de hortelã, cebolinhas e uma deliciosa carne de proveniência duvidosa, seu portuga traidor dos infernos?" Amaldiçoa o professor. De repente, para os dois, tudo escurece.
18.6.06
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