14.11.02

Pelo pouco que sei, o Drummond estaria morrendo de vergonha de ficar sentado naquele banco tirando fotos com todos que passam. No dia do centenário, a estátua esteve constantemente circundada por fãs e muitos curiosos.

Quando chegamos um grupo de adolescentes estava se armando na frente da estátua para fazer um jogral em homenagem ao poeta. Fizeram. Cada um falando um trechinho da poesia, com uma certa timidez e com a rapidez de quem decorou o texto mas não pensou no que ele realmente significa. Foi curto e valeu. Tempo para mais gente sentar ao lado da figura e tirar uma foto. Uma menininha linda sentou, mexeu na flor que estava na mão do poeta - provavelmente presente de um outro fã - e tirou uma foto. Mais velhinhas chegaram. Copacabana é um dos bairros com maior densidade velhinhas do Rio e naquele dia todas tinham um causo para contar sobre o poeta, mesmo que inventado.

Em mais um jogral daquele grupo - dessa vez mais constrangedor - eles cantarolavam que no meio do caminho tinha uma pedra. Poemas musicados. Me lembrou o vocalista do Skank - aquele com cara de playmobil - cantando uma versão musicada do Poema de Sete Faces no trailer do filme. Péssimo. Dessa vez o jogral tirou menos aplausos dos velhinhos. Uma vendedora hipponga de colares e artesanato sentou-se ao lado do poeta e lhe fez um carinho. Sentou como se pousasse para uma foto e ficou por uns dois minutos. Depois levantou, deu um beijão na cabeça da estátua e foi embora toda serelepe. Um senhor de cadeira de rodas, empurrado por uma senhora com de lenço e bobs no cabelo e acompanhado por um cachorro chiuaua com roupa chegam, felinianamente, à cena.

O grupo inicia mais um jogral. Na verdade repetem o primeiro, só que menos entusiasmados. Uma das velhinhas chega ao meu lado e pergunta: "Esse aí é aquele que deu no jornal que colocaram ele sentado aí?" Respondi que sim, era a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade e que havia sido colocada ali no dia anterior. "Aaaannhhh..." - ela falou pensando olhando a estátua para logo depois concluir - "Mas ele era preto?".
O jogral já estava disperso, mas se reuniram para cantar mais uma vez aquele número da pedra. Meu Deus! Dois jovens gringos com sotaque britânico vieram confirmar de quem era a estátua que eles tinham visto na TV. Expliquei. Eles pareciam melhor informados do que muitos dos cariocas que por ali estavam. Tirei mais algumas fotos das pessoas ao redor da estátua. Uma mulher que andava apressada e com os olhos vermelhos como duas bandeiras do PT se aproximou da Ana e a cutucou com o cotovelo: "Meniiiiiiina, que babado é esse aqui na praia? Jogaram tinta no homem? Que doideira!!!!" A Ana explicou que não, era uma estátua. "Estáutua? Que doideeeeira!!" E saiu andando rápido, coçando o nariz e falando sozinha. Uma das velhinhas dá um loooooooongo abraço no poeta e lhe sapeca um beijo na testa enquanto outra senta ao seu lado e segura a sua mão, como se fossem bons amigos. Íntimos.

A esta hora o grupo de jogral estava sentado na calçada. Desanimados - provavelmente com a ausência de uma câmera do RJ TV para registrar o número - não se apresentram de novo. Alegria nos nossos ouvidos. Um garoto deficiente mental que vinha caminhando sozinho pelo calçadão é atraído pela confusão e vai direto para a frente das câmeras. Senta-se ao lado do poeta, o cumprimenta com o dedão em riste e sorri, como quem senta ao lado de um amigo e fala "e aí, beleza?". Mas boca do Drummond não disse palavra. Ele não se importou, não sairia dali tão cedo. Já eu saí. Feliz após ter tirado as minhas fotos.

Na manhã do dia seguinte me deparo com a notícia de que a estátua tinha amanhecido pichada. Prova de que na fauna de copa, infelizmente, nem todos são malucos beleza.

com a força de daniel sansão