Diário de bordo. 14º dia.
Dormi abraçado à Celeste. Uma mão segurando o livro de Paul Auster e a outra aquecida entre seus peitos médios, com bicos rosados, oblíquos, ligeiramente apontados para cima.
Cheguei a sentir um certo tesão no meio da noite, mas me contive, respeitando a menina que faz chás matinais saborosíssimos. Percebi Anselmo, ao nosso lado, tentando pegar algum tipo de flagrante, já que duas noites passadas ele e Celeste conversaram muito sobre o ciúme e a dificuldade do relacionamento dele com outras meninas. A sua incapacidade de aceitar a liberdade do outro e a fantasia que a insegurança produzia nele, o afastava de qualquer uma, mesmo sobre o signo de uma paixão acelerada.
Conversaram horas enquanto eu arrumava os barbantes de sustentação das bases do balão.Via em Alselmo o desejo de se lançar para Celeste, apagando anos de carência e desconforto produzidas pela solidão. A perspectiva que se via ali era apenas de amizade, coisa que ele não percebia. Seus olhos vibravam como se um furor interno estivesse prestes a explodir. Sua voz, vez em quando, falhava, embargava, atropelando o sentido das palavras. Não cheguei a ter dó de Anselmo, mesmo porque aquilo parecia um esconderijo onde ele se abrigava sempre que tais situações apareciam na sua frente. Pensei na possibilidade de ele chutar o balde dessa culpa dolorida e avançar sorrindo sobre Celeste. Isso seria mais fácil, não uma desrazão. Beijá-la sem piedade. Lambê-la até extrair a bala que tava na boca da sua alma. Esfregar os olhos nas coxas brancas dela.
Senti que estava comprando, em silêncio, os problemas de Anselmo. Desci do banco que me apoiava, firmei os barbantes na alavanca de segurança e me virei para o lado mais azul do horizonte. Selma se aproximou de mim. Os piercings colados ao seu rosto tinham um tom alaranjado, fruto dos raios sol que caiam a oeste do balão. Me disse que a comida era pouca para o tempo que tinhamos até chegar a uma base de reposição, propondo uma racionamento já previsto pelo Jorge. Acalmei-a, dizendo que as coisas estavam caminhando conforme o planejado. Ela discordou. Citou o vento da noite, deflagrando uma otite mal curada desde que saímos do Campo de Marte. Resolvemos então improvisar um aparador perto do colchonete de Selma.Me agradeceu com um belo beijo na boca, onde eu pude sentir uma bolinha de metal presa em sua língua. Eu e Selma estamos desenvolvendo uma relação legal, desde a brincadeira que fizemos com o Abtronic. Apesar de gostar de rock pauleira, nos damos bem. Regularmente meus gibis e até uns chocolatezinhos que ficam armazenados no frigobar, são dividos entre eu e ela. De vez em quando sentamos junto ao Jorge, que traz estórias fantásticas da empresa em que trabalhou e diz só sentir saudades das partidas de bilhar depois do expediente
e das festas de fim de ano, onde ele terminava a noite ralando com a filha da mulher da faxina.
Acordei. Uma ligeira cãimbra tomava meu braço. Retirei a mão dos peitos de Celeste duvidoso do seu enrijecimento. Poderia ser o frio da madrugada. Apostei nisso.
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