25.11.02

EU TAMBÉM SOU CONCRETISTA

Mudei radicalmente minha opinião sobre os poetas concretos. Agora, também quero ser um deles: deve ser uma delícia fazer auto-elogios sem nenhum escrúpulo de consciência, ser "de vanguarda" por 50 anos e viver cercado por gostosíssimas estudantes de semiótica. Antes, eu acreditava que o concretismo era uma espécie de clube privê de cujas vantagens eu não podia desfrutar. Que crasso preconceito o meu. Súbito descobri que, para exibir orgulhosamente meu título de sócio do clubinho concreto, bastava compor poemas com o mínimo de palavras e o máximo de exegese. E, como já mandei a modéstia às favas, asseguro que na primeira tentativa alcancei as alturas da obra-prima. Mas julguem vocês mesmos. Primeiro, o poema:



Não perceberam a genialidade da coisa? Ah, claro, vocês não têm as referências necessárias. Então aqui vai a análise, para que vocês captem a multiplicidade de sentidos dessa maravilha.

1) Em português, palavras como "cu", monossílabo tônico terminado em U, não levam acento. Sua inclusão, portanto, é uma transgressão da norma gramatical que visa ressaltar o aspecto ideogrâmico do CÚ, com base na poesia de Pound e nos estudos de Fenollosa. Assim é que o acento sobre a letra U assume caráter fálico e reproduz iconicamente uma penetração anal, fazendo com que o poema possa ser lido como "pau no cu".

2) O próprio desenho das letras permite outras interpretações igualmente interessantíssimas. O C representa o sujeito- curvado-sobre-si-mesmo, alheio a tudo aquilo que não seja sua eterna contemplação narcísica. O U, por sua vez, é uma letra aberta para cima -imagem do sujeito ávido pelo contato com o mundo exterior e buscando compensar a falta que, no entanto, o constitui, como diria Jacques Lacan. É por essa abertura ínfima que o acento-pênis transgressor se introduz. Contra a natureza e contra as leis da gramática, o CÚ se afirma como sujeito subversivo, revolucionário e, sobretudo, baitola.

3) O poema também se inspira nos ready-mades de Marcel Duchamp. Assim como um penico pode ser exposto num museu, também o CÚ, clássico grafito de banheiro, pode ser elevado à categoria de poesia e questionar de maneira instigante (eu tinha que usar esse adjetivo) as fronteiras entre arte e antiarte. Outra influência evidente é Mallarmé, com seu poema "Un Coup de Dés Jamais n'Abolira Le Hasard": a palavra "coup", como vocês devem saber, pronuncia-se "cu", e a poesia da modernidade jamais teria sido a mesma sem o "coup" do Mallarmé.

Vou ligar amanhã mesmo para Haroldo, Augusto ou Décio para exigir minha carteirinha de sócio. E ai deles se não gostarem da minha obra-prima. Que enfiem o dedo nela e rasguem.

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