13.11.02

Não quero me alongar, não vou cardosoear e inventar alguma desculpa borgeana e irrefutável. Só vou contar o que aconteceu, mesmo que ninguém precise saber o inferno que foi a minha vida naquele dia. Aquele dia que começou no dia anterior, quando finalmente me mudei - e fiquei devendo dinheiro para o tio do carreto. Me mudei. Consegui. Agora eu moro junto. Então depois de carregar todas aquelas malas e caixas e sofás e suar, arrastar, espremer móveis e virar a santa milagreira do cantinho, corri para discotecar na Fun House, já atrasada e acabada. Bela festa. Toquei um monte de coisa boa e causei comoção em umas duas pessoas. Cansada, morta, com dores nas costas. Seis da manhã, a gente querendo fechar o bar e ir pra casa porque eu tinha um ônibus para pegar às em duas horas - sozinha, diga-se de passagem, porque o professor que ia comigo amarelou, apesar de não ser japonês, e nem se deu o trabalho de me avisar -, quando ouvimou um estouro. Pow. Assustador. Pow. O carro. Ninguém na rua, o carro pacificamente estacionado na frente do bar. Pow. Um bêbado, um peugeot prateado. Um bêbado que vai queimar no inferno. Placa DCG 8205. Um bêbado que fugiu. O carro estacionado, destruído, o vidro quebrado, estilhaços por todos os lados, no banco, no chão. O carro não anda mais. Destruído. O bêbado prateado fugiu, mas um salvador anotou a placa. Filho da puta, fugiu, foi embora, achando que ninguém tinha visto. O carro destruído, sete da manhã, delegacia, boletim de ocorrência, documentos vencidos, o inferno, o inferno. Polícia, oito da manhã, as malas em casa. Longe. O ônibus saindo sem eu dentro. A mudança pesando nas minhas costas, o carro destruído. Tentei outro ônibus, tentei ir até o aeroporto. Trânsito de três horas, 30 reais de táxi, listas de espera cheias, tarifas exorbitantes. Tentei trem, navio, burrico, patinete. Não existia. 4 da tarde, nenhuma hora de sono, nenhuma chance de chegar a tempo. Pow. Tudo arruinado. Disseram que estava cheio, que estava do caralho, que o show foi muito legal. Todo mundo lá. Menos eu.

escamoteado de you can take my fingertips