Paineiras Furta-Cor é um condomínio fechado localizado na parte mais distante do Sétimo Céu. Passa-se por várias guaritas e cancelas para chegar lá. A entrada de Paineiras Furta-Cor era guardada por sete anjos-samurais vestidos de armaduras vermelho-cinábrio e terra-de-siena, ton sur ton. O comandante, um grande anjo de seis asas chamado Sir Jonathan Caldwell McGarther Al-Daif Lelahel Duboys de Almeida Metatron III, protegia o elegante pórtico em estilo mediterrâneo com sua espada de nove gumes.
Metatron é um Serafim, um super anjão porreta. É um transformer gigante que duas vezes por semana pode alterar sua forma para um tiranossauro alado de titânio que solta labaredas pelos olhos e raios lazer pelo rabo. Muito cool! Mas, naquela hora, estava na forma desse anjo enorme com três pares de asas metálicas, um par para voar e dois para cobrir o corpo. Empunhava uma estranha espada que seria a versão celeste do canivete suíço.
Irado, ao ver chegar um gordinho careca portando chinelos, camisa florida e pochete trotando em um jegue com toda pinta de viado, admoestou-nos:
– Aquele que ousar profanar o santuário da sapiência e beleza terá sua alma espúria exterminada do meio de seu povo. O ímpio que trouxer iniqüidade a este santificado reconditório vestir-se-á de maldições como quem põe sobre si uma mortalha ensangüentada. – o gigante Metatron avançou em nossa direção. – Não temeis, por ventura, a espada de nove gumes de Metatron, ó reles criatura? Que impurezas trazeis em vosso coração, ó alma vil e xexelenta?
Solenemente proferi as santas palavras: "Trouxe a muamba do Orson pra galera! U-hu!"
Os anjos-samurais prostraram-se no chão. Metatron fez uma respeitosa reverência e entrei. Todo o condomínio é circundado por altas muralhas caiadas. Uma alameda de, óbvio, paineiras furta-cor conduz a um jardim e um lago central com uma ruína de um templo à Minerva projetada pelo Le Corbusier. Nenhum transporte motorizado é permitido. Apenas riquixás e cabriolés zanzam pelas aléias floridas.
Encontrei toda a clientela de Orson Welles reunida em um Garden Party Brunch nos ensolarados jardins do Palacete de Marlon Brando. A distribuição dos produtos seria bastante rápida. Todo mundo estava lá. Menos o próprio Brando, que mandou uma falsa índia em seu lugar. Ingrid Bergman com uma pena na cabeça.
Grace Kelly, deitada languidamente com seu maiô branco à beira da piscina, ouvia animada as lorotas dos dois Richards Burtons. O ator contava quem ele havia comido e o explorador de quem ele escapara de ser comido. Dorothy Parker com um chapelão amarelo era assediada pelos dois Lawrences. TE travava um discreto duelo com DH para acender o cigarro na longa piteira também amarela de Dorothy. Oscar Wilde voltava de um alegre passeio pelo pomar com o imperador Adriano. Akira Kurosawa tocava um ukalele para Theda Bara dançar. Um mandarim magrinho estava sentado em posição de lótus no trampolim da piscina. Um lagarto azulado sonolento segurava uma sombrinha rendada sobre sua cabeça imperial. Humphrey Bogart jogava xadrez com Lyn Yutang. Sidarta todo arrogante, achando que era o Tao, carregava no colo sua cadelinha Fifi.
Porém um pequeno alvoroço estremecia os convidados como uma lagartixa caída em um decote. Um escândalo. Boatos recentes na Terra diziam que o filho do Chefe Lá de Cima era, na verdade, casado. Tinha filhos no paralelo e tudo. Mandaram chamar o Leonardo da Vinci, suposto autor da fofoca. Leo chegou naquele troço voador que parece um saca-rolhas feito de papelão que todo mundo sempre tem que dar um empurrão pra funcionar direito e sair correndo quando pousa. Ele afirmou não ter nada a ver com essa história. Não tinha nada de códigos na pintura, não. Nem sabia da vida do Filho da Homem. Ele apenas fizera uma propaganda institucional. Só. Sem subliminares, que custam mais caro. O pessoal estava viajando na maionese e pirando no abacate. Mas, afinal, cada um via o que queria em seus quadros, não é mesmo? Obra aberta e coisa e tal. Ele não era dono dos olhos das pessoas. A não ser de um determinado cadáver, mas esse ele tinha a nota fiscal. Não sei se o papo colou. Mas a discussão parecia que iria longe. Mencken e George Sanders o cutucavam, provocativos. Leonardo ria, afagando a barba, e tergiversava.
Ao lado da piscina anunciei minha chegada e a das infernais especiarias.
– Olhaí, olhaí freguesia, é a muamba do Orson Welles! Venham experimentar essa dilícia!
O grupo em torno de Leonardo da Vinci dispersou e começou a rodear o jegue.
Grace Kelly foi a primeira a se levantar para pegar a sua cocaína para o real narizinho platinado. Levantou o rabo do jegue e procurou sua encomenda. E, em seguida, bateu uma carreira num espelho que lhe estendia Cleópatra. Apesar de achar a cena hilariamente disgusting, os outros logo a seguiram. Cada um dos convivas depois de vencer o nojo pegava dentro do jegue o seu pacote. O jegue gay zurrava de contentamento.
O vibrador com luzes e musiquinha para a Mata Hari. Uma touxinha de ópio e um cachimbo de madrepérola para Lord Byron. Os charutos cubanos para o Churchill. A grande caixa de viagra para o Borges. Absinto 70º para o Fritz Lang. Os pastéis de camarão com catupiri, embora tenham chegado quentinhos, acabaram sendo irremediavelmente esmagados. Ficarei devendo para a simpática czarina Catarina I. Dei para ela o restinho da minha pamonha e ela lambeu os lindos beicinhos.
Depois de compartilhar o novo cachimbo de Lord Byron vários convivas começaram a mostrar outros interesses pela minha montaria. Quando eu já deixava a Garden Party pulavam na piscina, ao som de palmas e gritinhos animados, Nabucodonosor, Marcello Mastroianni e o jegue. Peter Sellers agitava as maracas. A rainha Vitória começava a tirar a roupa.
Já era a hora de fazer minha visitinha à mansão de Lord Buttocks.
27.10.04
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