Eu continuo achando tudo muito muito muito lindo.
Pois não é belo e misterioso esse mundo cheio de contadorezinhos, marceneirozinhos, verdureirozinhos, jornaleirozinhos?
Todos eles com seus trabalhinhos e seus interesses pequeninos, mesquinhos, que parecem microscópicos e insignificantes, mas quando em interação uns com os outros produzem uma onda, um fluxo, uma sinergia, uma harmoniosa e fluida dança da economia, lenta e bela como a das galáxias que, no fundo, nada mais é que a justa representação de uma lei genética, ancestral e sagrada de virtuosidade e puro amor.
E aí veio o George Soros besuntado com creolina e comeu todo mundo.
30.10.04
27.10.04
Divina Tragédia (canto VII) - Paineiras Furta-Cor
Paineiras Furta-Cor é um condomínio fechado localizado na parte mais distante do Sétimo Céu. Passa-se por várias guaritas e cancelas para chegar lá. A entrada de Paineiras Furta-Cor era guardada por sete anjos-samurais vestidos de armaduras vermelho-cinábrio e terra-de-siena, ton sur ton. O comandante, um grande anjo de seis asas chamado Sir Jonathan Caldwell McGarther Al-Daif Lelahel Duboys de Almeida Metatron III, protegia o elegante pórtico em estilo mediterrâneo com sua espada de nove gumes.
Metatron é um Serafim, um super anjão porreta. É um transformer gigante que duas vezes por semana pode alterar sua forma para um tiranossauro alado de titânio que solta labaredas pelos olhos e raios lazer pelo rabo. Muito cool! Mas, naquela hora, estava na forma desse anjo enorme com três pares de asas metálicas, um par para voar e dois para cobrir o corpo. Empunhava uma estranha espada que seria a versão celeste do canivete suíço.
Irado, ao ver chegar um gordinho careca portando chinelos, camisa florida e pochete trotando em um jegue com toda pinta de viado, admoestou-nos:
– Aquele que ousar profanar o santuário da sapiência e beleza terá sua alma espúria exterminada do meio de seu povo. O ímpio que trouxer iniqüidade a este santificado reconditório vestir-se-á de maldições como quem põe sobre si uma mortalha ensangüentada. – o gigante Metatron avançou em nossa direção. – Não temeis, por ventura, a espada de nove gumes de Metatron, ó reles criatura? Que impurezas trazeis em vosso coração, ó alma vil e xexelenta?
Solenemente proferi as santas palavras: "Trouxe a muamba do Orson pra galera! U-hu!"
Os anjos-samurais prostraram-se no chão. Metatron fez uma respeitosa reverência e entrei. Todo o condomínio é circundado por altas muralhas caiadas. Uma alameda de, óbvio, paineiras furta-cor conduz a um jardim e um lago central com uma ruína de um templo à Minerva projetada pelo Le Corbusier. Nenhum transporte motorizado é permitido. Apenas riquixás e cabriolés zanzam pelas aléias floridas.
Encontrei toda a clientela de Orson Welles reunida em um Garden Party Brunch nos ensolarados jardins do Palacete de Marlon Brando. A distribuição dos produtos seria bastante rápida. Todo mundo estava lá. Menos o próprio Brando, que mandou uma falsa índia em seu lugar. Ingrid Bergman com uma pena na cabeça.
Grace Kelly, deitada languidamente com seu maiô branco à beira da piscina, ouvia animada as lorotas dos dois Richards Burtons. O ator contava quem ele havia comido e o explorador de quem ele escapara de ser comido. Dorothy Parker com um chapelão amarelo era assediada pelos dois Lawrences. TE travava um discreto duelo com DH para acender o cigarro na longa piteira também amarela de Dorothy. Oscar Wilde voltava de um alegre passeio pelo pomar com o imperador Adriano. Akira Kurosawa tocava um ukalele para Theda Bara dançar. Um mandarim magrinho estava sentado em posição de lótus no trampolim da piscina. Um lagarto azulado sonolento segurava uma sombrinha rendada sobre sua cabeça imperial. Humphrey Bogart jogava xadrez com Lyn Yutang. Sidarta todo arrogante, achando que era o Tao, carregava no colo sua cadelinha Fifi.
Porém um pequeno alvoroço estremecia os convidados como uma lagartixa caída em um decote. Um escândalo. Boatos recentes na Terra diziam que o filho do Chefe Lá de Cima era, na verdade, casado. Tinha filhos no paralelo e tudo. Mandaram chamar o Leonardo da Vinci, suposto autor da fofoca. Leo chegou naquele troço voador que parece um saca-rolhas feito de papelão que todo mundo sempre tem que dar um empurrão pra funcionar direito e sair correndo quando pousa. Ele afirmou não ter nada a ver com essa história. Não tinha nada de códigos na pintura, não. Nem sabia da vida do Filho da Homem. Ele apenas fizera uma propaganda institucional. Só. Sem subliminares, que custam mais caro. O pessoal estava viajando na maionese e pirando no abacate. Mas, afinal, cada um via o que queria em seus quadros, não é mesmo? Obra aberta e coisa e tal. Ele não era dono dos olhos das pessoas. A não ser de um determinado cadáver, mas esse ele tinha a nota fiscal. Não sei se o papo colou. Mas a discussão parecia que iria longe. Mencken e George Sanders o cutucavam, provocativos. Leonardo ria, afagando a barba, e tergiversava.
Ao lado da piscina anunciei minha chegada e a das infernais especiarias.
– Olhaí, olhaí freguesia, é a muamba do Orson Welles! Venham experimentar essa dilícia!
O grupo em torno de Leonardo da Vinci dispersou e começou a rodear o jegue.
Grace Kelly foi a primeira a se levantar para pegar a sua cocaína para o real narizinho platinado. Levantou o rabo do jegue e procurou sua encomenda. E, em seguida, bateu uma carreira num espelho que lhe estendia Cleópatra. Apesar de achar a cena hilariamente disgusting, os outros logo a seguiram. Cada um dos convivas depois de vencer o nojo pegava dentro do jegue o seu pacote. O jegue gay zurrava de contentamento.
O vibrador com luzes e musiquinha para a Mata Hari. Uma touxinha de ópio e um cachimbo de madrepérola para Lord Byron. Os charutos cubanos para o Churchill. A grande caixa de viagra para o Borges. Absinto 70º para o Fritz Lang. Os pastéis de camarão com catupiri, embora tenham chegado quentinhos, acabaram sendo irremediavelmente esmagados. Ficarei devendo para a simpática czarina Catarina I. Dei para ela o restinho da minha pamonha e ela lambeu os lindos beicinhos.
Depois de compartilhar o novo cachimbo de Lord Byron vários convivas começaram a mostrar outros interesses pela minha montaria. Quando eu já deixava a Garden Party pulavam na piscina, ao som de palmas e gritinhos animados, Nabucodonosor, Marcello Mastroianni e o jegue. Peter Sellers agitava as maracas. A rainha Vitória começava a tirar a roupa.
Já era a hora de fazer minha visitinha à mansão de Lord Buttocks.
Metatron é um Serafim, um super anjão porreta. É um transformer gigante que duas vezes por semana pode alterar sua forma para um tiranossauro alado de titânio que solta labaredas pelos olhos e raios lazer pelo rabo. Muito cool! Mas, naquela hora, estava na forma desse anjo enorme com três pares de asas metálicas, um par para voar e dois para cobrir o corpo. Empunhava uma estranha espada que seria a versão celeste do canivete suíço.
Irado, ao ver chegar um gordinho careca portando chinelos, camisa florida e pochete trotando em um jegue com toda pinta de viado, admoestou-nos:
– Aquele que ousar profanar o santuário da sapiência e beleza terá sua alma espúria exterminada do meio de seu povo. O ímpio que trouxer iniqüidade a este santificado reconditório vestir-se-á de maldições como quem põe sobre si uma mortalha ensangüentada. – o gigante Metatron avançou em nossa direção. – Não temeis, por ventura, a espada de nove gumes de Metatron, ó reles criatura? Que impurezas trazeis em vosso coração, ó alma vil e xexelenta?
Solenemente proferi as santas palavras: "Trouxe a muamba do Orson pra galera! U-hu!"
Os anjos-samurais prostraram-se no chão. Metatron fez uma respeitosa reverência e entrei. Todo o condomínio é circundado por altas muralhas caiadas. Uma alameda de, óbvio, paineiras furta-cor conduz a um jardim e um lago central com uma ruína de um templo à Minerva projetada pelo Le Corbusier. Nenhum transporte motorizado é permitido. Apenas riquixás e cabriolés zanzam pelas aléias floridas.
Encontrei toda a clientela de Orson Welles reunida em um Garden Party Brunch nos ensolarados jardins do Palacete de Marlon Brando. A distribuição dos produtos seria bastante rápida. Todo mundo estava lá. Menos o próprio Brando, que mandou uma falsa índia em seu lugar. Ingrid Bergman com uma pena na cabeça.
Grace Kelly, deitada languidamente com seu maiô branco à beira da piscina, ouvia animada as lorotas dos dois Richards Burtons. O ator contava quem ele havia comido e o explorador de quem ele escapara de ser comido. Dorothy Parker com um chapelão amarelo era assediada pelos dois Lawrences. TE travava um discreto duelo com DH para acender o cigarro na longa piteira também amarela de Dorothy. Oscar Wilde voltava de um alegre passeio pelo pomar com o imperador Adriano. Akira Kurosawa tocava um ukalele para Theda Bara dançar. Um mandarim magrinho estava sentado em posição de lótus no trampolim da piscina. Um lagarto azulado sonolento segurava uma sombrinha rendada sobre sua cabeça imperial. Humphrey Bogart jogava xadrez com Lyn Yutang. Sidarta todo arrogante, achando que era o Tao, carregava no colo sua cadelinha Fifi.
Porém um pequeno alvoroço estremecia os convidados como uma lagartixa caída em um decote. Um escândalo. Boatos recentes na Terra diziam que o filho do Chefe Lá de Cima era, na verdade, casado. Tinha filhos no paralelo e tudo. Mandaram chamar o Leonardo da Vinci, suposto autor da fofoca. Leo chegou naquele troço voador que parece um saca-rolhas feito de papelão que todo mundo sempre tem que dar um empurrão pra funcionar direito e sair correndo quando pousa. Ele afirmou não ter nada a ver com essa história. Não tinha nada de códigos na pintura, não. Nem sabia da vida do Filho da Homem. Ele apenas fizera uma propaganda institucional. Só. Sem subliminares, que custam mais caro. O pessoal estava viajando na maionese e pirando no abacate. Mas, afinal, cada um via o que queria em seus quadros, não é mesmo? Obra aberta e coisa e tal. Ele não era dono dos olhos das pessoas. A não ser de um determinado cadáver, mas esse ele tinha a nota fiscal. Não sei se o papo colou. Mas a discussão parecia que iria longe. Mencken e George Sanders o cutucavam, provocativos. Leonardo ria, afagando a barba, e tergiversava.
Ao lado da piscina anunciei minha chegada e a das infernais especiarias.
– Olhaí, olhaí freguesia, é a muamba do Orson Welles! Venham experimentar essa dilícia!
O grupo em torno de Leonardo da Vinci dispersou e começou a rodear o jegue.
Grace Kelly foi a primeira a se levantar para pegar a sua cocaína para o real narizinho platinado. Levantou o rabo do jegue e procurou sua encomenda. E, em seguida, bateu uma carreira num espelho que lhe estendia Cleópatra. Apesar de achar a cena hilariamente disgusting, os outros logo a seguiram. Cada um dos convivas depois de vencer o nojo pegava dentro do jegue o seu pacote. O jegue gay zurrava de contentamento.
O vibrador com luzes e musiquinha para a Mata Hari. Uma touxinha de ópio e um cachimbo de madrepérola para Lord Byron. Os charutos cubanos para o Churchill. A grande caixa de viagra para o Borges. Absinto 70º para o Fritz Lang. Os pastéis de camarão com catupiri, embora tenham chegado quentinhos, acabaram sendo irremediavelmente esmagados. Ficarei devendo para a simpática czarina Catarina I. Dei para ela o restinho da minha pamonha e ela lambeu os lindos beicinhos.
Depois de compartilhar o novo cachimbo de Lord Byron vários convivas começaram a mostrar outros interesses pela minha montaria. Quando eu já deixava a Garden Party pulavam na piscina, ao som de palmas e gritinhos animados, Nabucodonosor, Marcello Mastroianni e o jegue. Peter Sellers agitava as maracas. A rainha Vitória começava a tirar a roupa.
Já era a hora de fazer minha visitinha à mansão de Lord Buttocks.
26.10.04
Apêndice comercial (canto VIb)
Muitos me perguntam sobre o Primeiro Céu e a localização de seus principais pontos turísticos. Ok, ok, ninguém perguntou, mas eu vou falar mesmo assim.
O Primeiro Céu é reservado aos principiantes e está dividido em duas alas.
Na parte meridional se localiza a biblioteca e a videoteca. Não são tão completas quanto as do Inferno, mas pelo menos você consegue encontrar o que está procurando. As silenciosas salas de estudo são ideais para aqueles que estão estudando duro para não fazer feio no Juízo Final.
Na metade setentrional está a Academia de Santos. Para esta ala vêm aqueles que procuram nas próximas encarnações buscar o caminho da santificação e beatitude sem se esquecer do corpinho. É conhecida como Academia Forma & Conteúdo. Reproduzo o folheto:
Venha você também cuidar do seu Corpo e Alma! Na Academia Forma & Conteúdo temos:
– Aulas de Spin com Devirxes Rodopiantes.
– Claustros individuais de Step e Meditação.
– Dominicanos instrutores de autoflagelação.* Opção por equipamento Moderno ou Classic.
– Beatas nutricionistas especializadas em receitar hóstias anabolizadas que garantem alucinações místicas.
– Cursos de estigmatas e alongamento com vídeos de artistas famosos em conjunto com as santas mais badaladas do momento.
– Contemplativos passeios semestrais ao Deserto do Sinai. Menu a base de gafanhotos, mel e suco de alfafa. Traje passeio leve.
– Palestras semanais feitas por notórios especialistas abordando temas importantes como:
- Visões Místicas: entrei em contato com Deus ou exagerei no jejum?
- Êxtase Espiritual e Orgasmo. Uma abordagem fenomenológica.
- Glossolalia e Pentecostalismo, como diferenciá-los?
- Como atrair animais sem esconder restos de alimentos na túnica.
* Quando passo por perto eu sempre escuto algo como "Sem moleza, gente! Agora vamos malhar esses tríceps!"
O Primeiro Céu é reservado aos principiantes e está dividido em duas alas.
Na parte meridional se localiza a biblioteca e a videoteca. Não são tão completas quanto as do Inferno, mas pelo menos você consegue encontrar o que está procurando. As silenciosas salas de estudo são ideais para aqueles que estão estudando duro para não fazer feio no Juízo Final.
Na metade setentrional está a Academia de Santos. Para esta ala vêm aqueles que procuram nas próximas encarnações buscar o caminho da santificação e beatitude sem se esquecer do corpinho. É conhecida como Academia Forma & Conteúdo. Reproduzo o folheto:
Venha você também cuidar do seu Corpo e Alma! Na Academia Forma & Conteúdo temos:
– Aulas de Spin com Devirxes Rodopiantes.
– Claustros individuais de Step e Meditação.
– Dominicanos instrutores de autoflagelação.* Opção por equipamento Moderno ou Classic.
– Beatas nutricionistas especializadas em receitar hóstias anabolizadas que garantem alucinações místicas.
– Cursos de estigmatas e alongamento com vídeos de artistas famosos em conjunto com as santas mais badaladas do momento.
– Contemplativos passeios semestrais ao Deserto do Sinai. Menu a base de gafanhotos, mel e suco de alfafa. Traje passeio leve.
– Palestras semanais feitas por notórios especialistas abordando temas importantes como:
- Visões Místicas: entrei em contato com Deus ou exagerei no jejum?
- Êxtase Espiritual e Orgasmo. Uma abordagem fenomenológica.
- Glossolalia e Pentecostalismo, como diferenciá-los?
- Como atrair animais sem esconder restos de alimentos na túnica.
* Quando passo por perto eu sempre escuto algo como "Sem moleza, gente! Agora vamos malhar esses tríceps!"
25.10.04
Arte
Arte é uma Resposta a procura de uma Pergunta.
Ou alguma coisa parecida. Lá sei eu.
Na verdade isso é só um teste do flickr.
Ignorem.
Ou não.
Leitura Dinâmica: Fiodor Mijailovich em um parágrafo
O Adolescente João Karamazov, um compulsivo Jogador, cansado de ser Humilhado e Ofendido, após passar por diversas Noites Brancas na Casa dos Mortos, sentiu-se possuído por Demônios e confessou o Crime e Castigo de ser um Idiota. Perseverou, porém, em ser um Eterno Marido, mesmo que a patroa preferisse faturar umas Notas no Subterrâneo.
24.10.04
Astros do Ringue
O Estado Transparente contra a Mão Invisível do Mercado – taí um duelo impossível de se ver.
23.10.04
Divina Tragedia (canto VI) - Um Sorvete de Ambrosia no Segundo Céu
Como no Inferno, há também muita burocracia no Céu. Porém as filas são muito curtas e o atendimento informatizado. Na minha frente havia apenas uma freirinha sudanesa e o Christopher Reeve. Christopher estava com um problema. Um belo problema. O papel de SuperHomem contou muitos pontos – super-heróis são muito queridos por aqui –, mas a defesa do uso medicinal das células-tronco fez o Christoper aguardar uma apelação nas Cortes Celestiais. O que costuma demorar muito, pois no Céu existem muitos juízes, mas nenhum advogado entra. Teria que passar o caso para a Virgem Maria, a Intercessora. Mas, mesmo rachando os processos com Santo Expedito, ela ainda estava muito atrasada com os pedidos e só agora conseguira se desvencilhar dos recursos do século XVIII. Christopher Reeve sentia vontade de rodar o mundo ao contrário, mas só o que conseguia era, irritado, girar com a cadeira de rodas no mesmo ponto.
Na minha vez, mostrei toda a minha papelada. Passaporte, contrato, caderneta de vacinação. Os documentos do jegue também. Tudo em ordem.
– Trabalho ou passeio?
– Trabalho. Vou investigar um crime insolúvel.
– Puxa, que interessante. Isso deve demorar um bocado.
Talvez demore. Eu não tenho pressa. O anjo da imigração carimbou o passaporte dando estadia de 1/64 de eternidade. Parecia um período razoável. Ninguém da alfândega teve a coragem de revistar o jegue. Um anjão de bigode ruivo fez uma cara de nojo, enquanto nos dava a luz verde. Acho que até sabia que havia contrabando no jegue. Mas não seria ele que iria investigar isso a fundo. Sé é que você me entende.
A mansão de Lord Buttock localizava-se no valorizadíssimo condomínio fechado de Paineiras Furta-Cor, no Sétimo Céu. Seria uma longa subida. Elevador panorâmico ou escada rolante? Optei pela larga escada rolante que percorre em espiral todos os anéis do Paraíso. É sempre um passeio agradabilíssimo. A escadaria branca é toda ladeada com figuras de mármore alternando estátuas figurativas com esculturas abstratas. Um Hércules de Rodin, uma mão-pássaro de Brancusi, uma Ava Gardner de Bernini e uma estátua do Arcanjo Miguel de Michelângelo tão perfeita que realmente fala. Mesmo sem marteladas. Ela diz: "Favor não pisar na faixa amarela. Obrigado."
Demos uma paradinha no Segundo Céu. Lá, perto da entrada, ao lado da Apple Store, há a Gelateria do Olivier.
Sir Lawrence, no pós-morte, especializou-se na fina alquimia dos sorvetes de massa com sua dedicação shakespeariana. Fui servido pelo Jack Lemmon. A grande ambição de Lemmon sempre foi ser sorveteiro. Ele dizia que ficava bem com o bonezinho branco. E era verdade. Era o próprio sorveteiro. Pedi um Sweet Cordelia, que é sorvete de Ambrosia com um nadica de avelãs, a especialidade da Gelateria do Olivier. Caríssimo. Duas bolas e a cobertura de chocolate com Hidromel custam o mesmo que um banquete de bisão com abacaxis selvagens para quinze pessoas no Inferno. Mas só essa paradinha já valeu toda a viagem ao Paraíso.
Sorvi o sorvete sentado com o jegue em um gramado ensolarado onde brincavam as crianças felizes e saltitantes até que chegasse o caminhão. De quatro em quatro horas vem um caminhão da Administração Celeste e troca os moleques sujos por uns novos, de banho tomado. Se for o caso, tiram os carrapatos, dão cafeína e aplicam infravermelho nas bochechas das crianças para ficarem bem saltitantes e rosadinhas.
Sorvete tomado, voltamos, eu e o jegue, para a ascendente escada-rolante em espiral. O sorvete estava ótimo, mas eu ainda estava com fome. E, a despeito das câmeras de segurança, que estão em toda parte por aqui, sentei nos degraus e comi uma pamonha trazida dos Infernos. Uma Ambrosia perfeita, só no Céu e na Gelateria do Olivier. Mas pamonha, torresmo e acarajé, só confie nos dos Infernos mesmo.
O Terceiro Céu é bem legal também. A parte sudeste dele é o Sítio do Pica-pau Amarelo. A noroeste é a Terra do Nunca. Não. Não aquela, seu tonto, a original. Aquela que você pensou que fica no Sexto Círculo do Inferno é só para crianças muito, muito, mas muito mal-comportadas mesmo. Os outros dois quartos do Terceiro Céu são administrados pelo Lewis Carroll. Da outra vez que estive aqui, o danado do Lewis tinha feito a sua própria versão da Fantástica Fábrica de Chocolate. É sempre um passeio divertidíssimo a Carrolland. Mas não hoje. Primeiro os negócios.
O Quarto Céu é todo um MMORPG do Senhor dos Anéis. Você pode escolher ser um hobbit, um trent ou até cavaleiro negro. Joguei como Sauron uma vez. Em meia hora, matei o baixinho, peguei o anel, incendiei Rivendell, calcinei toda a Terra-Média e tiveram que resetar o jogo. Achei meio sem graça. É bem caro, mas é um dos poucos Círculos Celestes em que o homossexualismo é tolerado.
No Quinto Céu, as coisas começam a ficar mais sérias. Ele é uma titânica catedral circular. Vitrais quilométricos feitos de pedras preciosas. É um bom lugar para encher as pistolas d'água nas piscininhas de água benta. Os diabinhos do inferno odeiam! A enorme abóboda, em que passam de hora em hora os melhores momentos da Criação, é sustentada por enormes colunas de marfim maciço finamente entalhadas com a vida dos santos e apóstolos. É impossível você olhar para uma obra de arte dessas e não meditar profundamente. Por exemplo: qual seria o tamanho do bendito elefante que produziu esse marfim enorme? E a música. Ah, a música! Há um coro de anjos de sete mil vozes na quinta a noite e um querubim que toca Ave Maria no pente na sexta. No domingo J.S. Bach está sempre tocando seu órgão. Por isso não gosto de ficar muito perto do Sebá. Especialmente de braguilha aberta. É como diz Santa Cynthia: "se J.S. vier te propondo uma toccata, apele pra fuga. De preferência, em ré maior, contra a parede mais próxima..."
O Sexto Céu estava fechado. Há muito tempo. Está em reforma desde o século VIII. Ninguém tem muita certeza do que aconteceu aqui nem sabe no que essa área vai se transformar. Uns acham que pode virar um convento de luxo, outros um cassino à leite de pato, outros ainda dizem que ali se confecciona, em joint venture, a Besta do Apocalipse. Talvez todos tenham razão. Não sei.
Girando, girando, chegamos à entrada do Sétimo Céu. Há mais dois andares para cima. Mas minha parada é aqui.
Na minha vez, mostrei toda a minha papelada. Passaporte, contrato, caderneta de vacinação. Os documentos do jegue também. Tudo em ordem.
– Trabalho ou passeio?
– Trabalho. Vou investigar um crime insolúvel.
– Puxa, que interessante. Isso deve demorar um bocado.
Talvez demore. Eu não tenho pressa. O anjo da imigração carimbou o passaporte dando estadia de 1/64 de eternidade. Parecia um período razoável. Ninguém da alfândega teve a coragem de revistar o jegue. Um anjão de bigode ruivo fez uma cara de nojo, enquanto nos dava a luz verde. Acho que até sabia que havia contrabando no jegue. Mas não seria ele que iria investigar isso a fundo. Sé é que você me entende.
A mansão de Lord Buttock localizava-se no valorizadíssimo condomínio fechado de Paineiras Furta-Cor, no Sétimo Céu. Seria uma longa subida. Elevador panorâmico ou escada rolante? Optei pela larga escada rolante que percorre em espiral todos os anéis do Paraíso. É sempre um passeio agradabilíssimo. A escadaria branca é toda ladeada com figuras de mármore alternando estátuas figurativas com esculturas abstratas. Um Hércules de Rodin, uma mão-pássaro de Brancusi, uma Ava Gardner de Bernini e uma estátua do Arcanjo Miguel de Michelângelo tão perfeita que realmente fala. Mesmo sem marteladas. Ela diz: "Favor não pisar na faixa amarela. Obrigado."
Demos uma paradinha no Segundo Céu. Lá, perto da entrada, ao lado da Apple Store, há a Gelateria do Olivier.
Sir Lawrence, no pós-morte, especializou-se na fina alquimia dos sorvetes de massa com sua dedicação shakespeariana. Fui servido pelo Jack Lemmon. A grande ambição de Lemmon sempre foi ser sorveteiro. Ele dizia que ficava bem com o bonezinho branco. E era verdade. Era o próprio sorveteiro. Pedi um Sweet Cordelia, que é sorvete de Ambrosia com um nadica de avelãs, a especialidade da Gelateria do Olivier. Caríssimo. Duas bolas e a cobertura de chocolate com Hidromel custam o mesmo que um banquete de bisão com abacaxis selvagens para quinze pessoas no Inferno. Mas só essa paradinha já valeu toda a viagem ao Paraíso.
Sorvi o sorvete sentado com o jegue em um gramado ensolarado onde brincavam as crianças felizes e saltitantes até que chegasse o caminhão. De quatro em quatro horas vem um caminhão da Administração Celeste e troca os moleques sujos por uns novos, de banho tomado. Se for o caso, tiram os carrapatos, dão cafeína e aplicam infravermelho nas bochechas das crianças para ficarem bem saltitantes e rosadinhas.
Sorvete tomado, voltamos, eu e o jegue, para a ascendente escada-rolante em espiral. O sorvete estava ótimo, mas eu ainda estava com fome. E, a despeito das câmeras de segurança, que estão em toda parte por aqui, sentei nos degraus e comi uma pamonha trazida dos Infernos. Uma Ambrosia perfeita, só no Céu e na Gelateria do Olivier. Mas pamonha, torresmo e acarajé, só confie nos dos Infernos mesmo.
O Terceiro Céu é bem legal também. A parte sudeste dele é o Sítio do Pica-pau Amarelo. A noroeste é a Terra do Nunca. Não. Não aquela, seu tonto, a original. Aquela que você pensou que fica no Sexto Círculo do Inferno é só para crianças muito, muito, mas muito mal-comportadas mesmo. Os outros dois quartos do Terceiro Céu são administrados pelo Lewis Carroll. Da outra vez que estive aqui, o danado do Lewis tinha feito a sua própria versão da Fantástica Fábrica de Chocolate. É sempre um passeio divertidíssimo a Carrolland. Mas não hoje. Primeiro os negócios.
O Quarto Céu é todo um MMORPG do Senhor dos Anéis. Você pode escolher ser um hobbit, um trent ou até cavaleiro negro. Joguei como Sauron uma vez. Em meia hora, matei o baixinho, peguei o anel, incendiei Rivendell, calcinei toda a Terra-Média e tiveram que resetar o jogo. Achei meio sem graça. É bem caro, mas é um dos poucos Círculos Celestes em que o homossexualismo é tolerado.
No Quinto Céu, as coisas começam a ficar mais sérias. Ele é uma titânica catedral circular. Vitrais quilométricos feitos de pedras preciosas. É um bom lugar para encher as pistolas d'água nas piscininhas de água benta. Os diabinhos do inferno odeiam! A enorme abóboda, em que passam de hora em hora os melhores momentos da Criação, é sustentada por enormes colunas de marfim maciço finamente entalhadas com a vida dos santos e apóstolos. É impossível você olhar para uma obra de arte dessas e não meditar profundamente. Por exemplo: qual seria o tamanho do bendito elefante que produziu esse marfim enorme? E a música. Ah, a música! Há um coro de anjos de sete mil vozes na quinta a noite e um querubim que toca Ave Maria no pente na sexta. No domingo J.S. Bach está sempre tocando seu órgão. Por isso não gosto de ficar muito perto do Sebá. Especialmente de braguilha aberta. É como diz Santa Cynthia: "se J.S. vier te propondo uma toccata, apele pra fuga. De preferência, em ré maior, contra a parede mais próxima..."
O Sexto Céu estava fechado. Há muito tempo. Está em reforma desde o século VIII. Ninguém tem muita certeza do que aconteceu aqui nem sabe no que essa área vai se transformar. Uns acham que pode virar um convento de luxo, outros um cassino à leite de pato, outros ainda dizem que ali se confecciona, em joint venture, a Besta do Apocalipse. Talvez todos tenham razão. Não sei.
Girando, girando, chegamos à entrada do Sétimo Céu. Há mais dois andares para cima. Mas minha parada é aqui.
22.10.04
Como me tornei um autor desconhecido e fui parar em um anexo de Power Point
E à propósito da questão dos amealhamento de textos relatada pelo Inagaki gostaria de comentar o seguinte:
Nenhum bom texto sobrevive a um PowerPoint. Ponto.
Shakespeare, Cervantes, Tolstoy só são respeitados porque na época não tiveram seu textos retalhados e colocados com letras script sobre uma imagem de dois gerânios ou de cachorrinhos dormindo em uma cesta.
Nenhuma literatura respeitável sobrevive a um fundo de cachorrinhos dormindo em uma cesta.
Nenhum bom texto sobrevive a um PowerPoint. Ponto.
Shakespeare, Cervantes, Tolstoy só são respeitados porque na época não tiveram seu textos retalhados e colocados com letras script sobre uma imagem de dois gerânios ou de cachorrinhos dormindo em uma cesta.
Nenhuma literatura respeitável sobrevive a um fundo de cachorrinhos dormindo em uma cesta.
21.10.04
Divina Tragédia (canto V) - A Grande Pirâmide Celeste
Minhas pupilas começaram a se adaptar à luminosidade celeste. É muito claro por aqui. Por isso vários anjos usam óculos escuros. Principalmente os que acordam de ressaca.
A entrada para os Céus é uma enorme pirâmide. Toda dourada, com um olho luminoso no topo, que brilha como um farol. E enxerga tudo. A pirâmide fica no meio de um oásis, que fica no meio de um deserto feito de uma espécie de luz sólida e granulada. É meio esquisito e não adianta explicar essa luz sólida e granulada. Se vocês forem bonzinhos e comerem bastante fibras, um dia vocês saberão como é. Se não, paciência, vão ter que fingir que entendem o que eu estou falando.
Havia uma fileira de pessoas esperando para entrar na Pirâmide. Muito estranha essa fila. Era uma fila de mutilados. Manetas, pernetas, gente sem cabeça. Corpos carbonizados carregavam carrinhos-de-mão repletos de pedaços de gente. Até que chegou um sujeito num tapete voador e pairou sobre a fila. Logo atrás chegou uma grande montanha. Era Maomé. O Profeta, com uma face sem rosto e o corpo involto por labaredas laranjas, vinha pessoalmente cumprimentar e abraçar os muçulmanos mortos nas recentes Jihads. Só então notei que entrara na fila do Paraíso Muçulmano. Fila errada. Não que eu me incomodasse com uma cota de setenta virgens ou com um orgasmo que dure seiscentos anos. Mas não hoje. Primeiro os negócios.
Abandonei a fila islâmica ainda acompanhando as manobras aéreas do tapete voador de Maomé e a bizarra montanha que sempre seguia seus movimentos. A minha entrada correta era pelo lado ocidental da Pirâmide onde havia muito pouca gente. No Céu, poucos são os escolhidos. Aqueles de muito bom gosto. As pessoas boas de coração. Aqueles que tentaram amar seu próximo como a si mesmos. Ou seja, muito pouca gente mesmo. Quase ninguém.
A recepção do Céu é algo entre um gigantesco Hotel de Luxo, um Banco e um Shopping Center em sociedade do Bill Gates, Trump, Onassis e Rockfeller. Um hall central amplo com pé direito estratosférico. No centro há uma árvore frutífera delgada que atravessa todos os andares até a cobertura onde ficam os Escritórios Centrais. Longas colunas de vidro contêm aquários com peixes tropicais, corais multicolores e demais bichos exóticos que nadam para cima e para baixo ou grudam-se no vidro. Um deles tem a Jaqueline Bisset de camiseta e snorkel. Além da transparente cúpula central, a iluminação natural é provida por um sistema de clarabóias basculantes fotosensíveis nas paredes da Pirâmide. O chão é de mármore com filigranas douradas. Enfim, é uma verdadeira obra faraônica.
Na recepção do Céu há vários guichês em diversos idiomas. Filas bem curtas. Preparei meus papéis de entrada. Puxei meu jegue. Por alguma antiga razão os jegues são muito queridos no Paraíso. Dois querubins japoneses se encantaram com ele. E ficaram rodopiando em volta do jegue, dando umas risadinhas de camundongo. É bom ter a presença de anjos e arcanjos por aqui. Eu tinha um diabinho que se instalara na minha nuca há meses e ficava espetando meu nervo. Foi só a aura de um anjo de cabelo rastafari entrar em contato com o diabinho, que ele caiu durinho no chão, estrebuchando. Praguinha.
Na recepção, sentado em um sofá branco, Frank Zappa estava visivelmente desapontado por estar no Paraíso. Sentia-se completamente abandonado. Todos os seus conhecidos estavam no Inferno. E, como em sua ficha não havia nada sério que o desabonasse, estavam tentando realocá-lo no Céu para a ala dos Profetas Modernos. Para sua imensa frustração. Impaciente, levantava-se do sofá e perguntava a uma simpática e ligeiramente estrábica anjinha da recepção, se poderia realocá-lo com alguma companhia interessante:
– Stravinsky? Igor Stravinsky?
– Sinto muito, senhor. – Consultava o terminal – Está em turnê no Terceiro Círculo do Inferno com o Eric Satie.
Zappa voltava ao sofá. Tragava a fumaça de uma cigarrilha. E voltava à bancada da anjinha risonha.
– E o Lennon?
– Sinto muito, senhor. – fofocou sussurrando a vesguinha – Parece que teve uma briga de egos com o filho do Patrão. Uma discussão sobre qual era mais famoso. Ele é um bom moço, mas agora o Filho do Homem deixou ele de castigo uns tempos.
– Mas pelo menos o George Harrison deve estar por aí…
– Lamento, houve um problema com Mr. Harrison. Era para ter reencarnado como um Lama Tibetano e por um erro de digitação voltou à Terra como um Lhama Peruano…
– E nem o Elvis?
– O que consta aqui no terminal é que ele não desencarnou. Continua vivendo tranquilo em sua casa.
– É? Em Graceland?
– Não, em Roswell. Mas temos o Herr Haendel disponível. Ele faz muito sucesso aqui no Céu. E tem uma vaga no quarto dele. Quem sabe o senhor…
Frank Zappa, voltou a deitar no sofá e apertava com os dedos polegar e indicador o espaço entre a sobrancelhas.
Mas atrás do balcão, um alvoroço. Um arcanjo tomava uma grande bronca. Parece que um certo Carol Wojtyla, do Vaticano, já perdera a nona chamada para subir ao Céu. São Pedro estava irritadíssimo e gritava desafinando que o Chefe falou que se ele não vier na próxima chamada não precisa nem vir mais.
Os querubins davam ainda mais risadinhas de camundongo com o xilique de São Pedro. Esses putos.
A entrada para os Céus é uma enorme pirâmide. Toda dourada, com um olho luminoso no topo, que brilha como um farol. E enxerga tudo. A pirâmide fica no meio de um oásis, que fica no meio de um deserto feito de uma espécie de luz sólida e granulada. É meio esquisito e não adianta explicar essa luz sólida e granulada. Se vocês forem bonzinhos e comerem bastante fibras, um dia vocês saberão como é. Se não, paciência, vão ter que fingir que entendem o que eu estou falando.
Havia uma fileira de pessoas esperando para entrar na Pirâmide. Muito estranha essa fila. Era uma fila de mutilados. Manetas, pernetas, gente sem cabeça. Corpos carbonizados carregavam carrinhos-de-mão repletos de pedaços de gente. Até que chegou um sujeito num tapete voador e pairou sobre a fila. Logo atrás chegou uma grande montanha. Era Maomé. O Profeta, com uma face sem rosto e o corpo involto por labaredas laranjas, vinha pessoalmente cumprimentar e abraçar os muçulmanos mortos nas recentes Jihads. Só então notei que entrara na fila do Paraíso Muçulmano. Fila errada. Não que eu me incomodasse com uma cota de setenta virgens ou com um orgasmo que dure seiscentos anos. Mas não hoje. Primeiro os negócios.
Abandonei a fila islâmica ainda acompanhando as manobras aéreas do tapete voador de Maomé e a bizarra montanha que sempre seguia seus movimentos. A minha entrada correta era pelo lado ocidental da Pirâmide onde havia muito pouca gente. No Céu, poucos são os escolhidos. Aqueles de muito bom gosto. As pessoas boas de coração. Aqueles que tentaram amar seu próximo como a si mesmos. Ou seja, muito pouca gente mesmo. Quase ninguém.
A recepção do Céu é algo entre um gigantesco Hotel de Luxo, um Banco e um Shopping Center em sociedade do Bill Gates, Trump, Onassis e Rockfeller. Um hall central amplo com pé direito estratosférico. No centro há uma árvore frutífera delgada que atravessa todos os andares até a cobertura onde ficam os Escritórios Centrais. Longas colunas de vidro contêm aquários com peixes tropicais, corais multicolores e demais bichos exóticos que nadam para cima e para baixo ou grudam-se no vidro. Um deles tem a Jaqueline Bisset de camiseta e snorkel. Além da transparente cúpula central, a iluminação natural é provida por um sistema de clarabóias basculantes fotosensíveis nas paredes da Pirâmide. O chão é de mármore com filigranas douradas. Enfim, é uma verdadeira obra faraônica.
Na recepção do Céu há vários guichês em diversos idiomas. Filas bem curtas. Preparei meus papéis de entrada. Puxei meu jegue. Por alguma antiga razão os jegues são muito queridos no Paraíso. Dois querubins japoneses se encantaram com ele. E ficaram rodopiando em volta do jegue, dando umas risadinhas de camundongo. É bom ter a presença de anjos e arcanjos por aqui. Eu tinha um diabinho que se instalara na minha nuca há meses e ficava espetando meu nervo. Foi só a aura de um anjo de cabelo rastafari entrar em contato com o diabinho, que ele caiu durinho no chão, estrebuchando. Praguinha.
Na recepção, sentado em um sofá branco, Frank Zappa estava visivelmente desapontado por estar no Paraíso. Sentia-se completamente abandonado. Todos os seus conhecidos estavam no Inferno. E, como em sua ficha não havia nada sério que o desabonasse, estavam tentando realocá-lo no Céu para a ala dos Profetas Modernos. Para sua imensa frustração. Impaciente, levantava-se do sofá e perguntava a uma simpática e ligeiramente estrábica anjinha da recepção, se poderia realocá-lo com alguma companhia interessante:
– Stravinsky? Igor Stravinsky?
– Sinto muito, senhor. – Consultava o terminal – Está em turnê no Terceiro Círculo do Inferno com o Eric Satie.
Zappa voltava ao sofá. Tragava a fumaça de uma cigarrilha. E voltava à bancada da anjinha risonha.
– E o Lennon?
– Sinto muito, senhor. – fofocou sussurrando a vesguinha – Parece que teve uma briga de egos com o filho do Patrão. Uma discussão sobre qual era mais famoso. Ele é um bom moço, mas agora o Filho do Homem deixou ele de castigo uns tempos.
– Mas pelo menos o George Harrison deve estar por aí…
– Lamento, houve um problema com Mr. Harrison. Era para ter reencarnado como um Lama Tibetano e por um erro de digitação voltou à Terra como um Lhama Peruano…
– E nem o Elvis?
– O que consta aqui no terminal é que ele não desencarnou. Continua vivendo tranquilo em sua casa.
– É? Em Graceland?
– Não, em Roswell. Mas temos o Herr Haendel disponível. Ele faz muito sucesso aqui no Céu. E tem uma vaga no quarto dele. Quem sabe o senhor…
Frank Zappa, voltou a deitar no sofá e apertava com os dedos polegar e indicador o espaço entre a sobrancelhas.
Mas atrás do balcão, um alvoroço. Um arcanjo tomava uma grande bronca. Parece que um certo Carol Wojtyla, do Vaticano, já perdera a nona chamada para subir ao Céu. São Pedro estava irritadíssimo e gritava desafinando que o Chefe falou que se ele não vier na próxima chamada não precisa nem vir mais.
Os querubins davam ainda mais risadinhas de camundongo com o xilique de São Pedro. Esses putos.
20.10.04
As Regras do Jogo - Revogue-se as Disposições em Contrário
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
15.10.04
Habana, que estoy caliente
Estarei fora este fim-de-semana tentando tirar o musgo dos pelos. Enquanto isso rebolem todos ao sabor de uma pequena contribuição minha à impagável (ninguém desembolsa um puto para ouvir esses caras) banda Libera o Badaró.
Essa salsa-manjericão conta também com a participação do Buena Vista Cream Cracker Social Sla Radical Disco Club. Hay que endurecer, carajo! Uh!
HABANA.
(Ratapulgo e Fafafi Fafu Filho)
Viajei hasta Habana
En busqueda de un amor
Fue bailar em Tropicana
En una noche de calor
Yo tome una cuba libre
Y me puse a bailar
Encontré una chica
Llamada Libertad
Una chica mui estraña
Com pelos a cortar
Un quepe de campanã
Y "jaruto" a fumar
Me quedé estarecido
E puse a reparar
Que la criolla Libertad
Era el “jefe” a bailar
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi Libertad
Una muchacha mui estraña
Com los pelos a cortar
Y un viejo quepe de campaña
Y un "jaruto" a fumar
(bate forte o tambor…)
El capitán se me acercó
Y me puse en el Paredón
Y despacito me ordenó
“Baila comigo corazón”
Yo no puedo bailar
Por que soy de cocha bamba
Ya estaba de partida… ehhh
Y viva la revolución!!
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi Libertad
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi General
El capitan se me acercó
Y me puse en el Paredón
Y despacito me ordenó
“Baila comigo maricón”
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi General
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana en otro lugar
(bate forte o tambor…)
____
Outras múltiplas e diversas músicas do LoB podem ser baixadas "de grátis" nesta página. Dstaques para a Jesus Negão (essa música já tem duas comunidades no Orkut! Acredite, irmão!), a Escravos de Jah e a Melô do Corrimento.
Ah, vão lá e baixem tudo! Já!
Essa salsa-manjericão conta também com a participação do Buena Vista Cream Cracker Social Sla Radical Disco Club. Hay que endurecer, carajo! Uh!
HABANA.
(Ratapulgo e Fafafi Fafu Filho)
Viajei hasta Habana
En busqueda de un amor
Fue bailar em Tropicana
En una noche de calor
Yo tome una cuba libre
Y me puse a bailar
Encontré una chica
Llamada Libertad
Una chica mui estraña
Com pelos a cortar
Un quepe de campanã
Y "jaruto" a fumar
Me quedé estarecido
E puse a reparar
Que la criolla Libertad
Era el “jefe” a bailar
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi Libertad
Una muchacha mui estraña
Com los pelos a cortar
Y un viejo quepe de campaña
Y un "jaruto" a fumar
(bate forte o tambor…)
El capitán se me acercó
Y me puse en el Paredón
Y despacito me ordenó
“Baila comigo corazón”
Yo no puedo bailar
Por que soy de cocha bamba
Ya estaba de partida… ehhh
Y viva la revolución!!
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi Libertad
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi General
El capitan se me acercó
Y me puse en el Paredón
Y despacito me ordenó
“Baila comigo maricón”
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana mi General
Habana, Habana, habana que estoy caliente
Habana, Habana, habana en otro lugar
(bate forte o tambor…)
____
Outras múltiplas e diversas músicas do LoB podem ser baixadas "de grátis" nesta página. Dstaques para a Jesus Negão (essa música já tem duas comunidades no Orkut! Acredite, irmão!), a Escravos de Jah e a Melô do Corrimento.
Ah, vão lá e baixem tudo! Já!
14.10.04
Divina Tragédia (canto IV) - O Purgatório
Na saída dos Portões Negros resolvi fazer uma última sacanagem. Prendi com chiclete as duas campainhas, a do choro e a do ranger de dentes. O Cerberinho começou a latir aguda e alucinadamente com suas três cabecinhas idiotas. Esses trotes contam pontos por aqui. Cento e cinquenta mil pontos podem ser trocados por um CD de Natal da Simone.
Reparei que as velhas placas de propaganda DEIXAI TODAS AS ESPERANÇAS VÓS QUE ENTRASTES estavam sendo trocadas por umas novas. INFERWORLD – um Mundo de Perversões. Belo marketing. No fundo O Inferno não deixa de ser uma espécie de parque temático. É um Wet & Wild com piscinas de amônia e giletes no esgorregador. Um Very Hot & Wildest, no caso.
O Jânio Quadros inaugurou recentemente uma ponte para o Inferno sobre o Rio Aqueronte. Um obra supermoderna com 16 pistas. Todas só de ida.
Eu decidi atravessar o Aqueronte, o Rio da Morte na balsa do Velho Barqueiro. Mudanças também atingiram o velho Caronte. Agora que trabalhava na travessia era o jovem Caronte Jr. Contou-me que pensava em instalar um teleférico ligando as duas margens. Ou um sistema de catapultas. Ainda estava pensando na melhor possibilidade.
Caronte Jr. estava fazendo uma promoção legal. Agora quem volta para o lado de lá GANHA uma moedinha! A minha foi um tetradracma grego. Sou um sortudo dos Infernos.
Desembarcamos no Purgatório. Estava aliviado por finalmente respirar um ar sem enxofre ou nicotina e parar de suar como empreiteiro numa CPI.
É desse jeito o Purgatório. Não fede nem cheira. Não é úmido nem seco. Não faz frio, não faz calor. O tempo está sempre nublado. Não acontece muita coisa. Digamos assim: poderia ser melhor, poderia ser pior.
O Purgatório é tão excitante como um documentário sobre as novas técnicas de operação de varizes ou sobre as variedades de pinheiros no hemisfério norte. Dá até para ver se não estiver passando mais nada em outro canal. E não está passando mais nada em outro canal.
É, em realidade, um enorme e amplo depósito. Como ninguém mais reza pelas almas do Purgatório, elas aqui vão se acumulando.
Diferentemente do Céu e do Inferno que foram concebido em círculos, o Purgatório está disposto em losangos, trapézios, elipses e eneágonos. É uma geografia peculiar. O caminho até o Paraíso é longo, reto e bem sinalizado. Atravessa todos os níveis do Purgatório até desembocar nos Portal Luminoso. A estrada tranqüila passa por diversos repositórios de almas muito interessantes.
A Cordilheira Nevada dos Budistas. A Garganta dos Luteranos. O Terraço Britânico, onde se hospedam os fãs incondicionais dos autores ingleses do séc. XIX. O Pico dos Violinistas. O famoso Estreito dos Antigos Gregos. A escondida Baía dos Tímidos.
No trecho em que a estrada margeia o litoral cruzei com o Fernando Sabino olhando um mapinha e procurando a Praia dos Cronistas Mineiros e Capixabas. Acenei, mas ele não me reconheceu.
Depois passamos pela Península dos Psdbistas. Estão todos lá. Menos o Sérgio Motta, que hoje dirige uma promissora casa de bingo no Sexto Círculo do Inferno, que é, na verdade, apenas uma fachada para uma rede de fast-food macrobiótica tailandesa.
A Ilha dos Autores de História em Quadrinhos. É um estágio temporário. Depois de cumprir alguma penitência aqui o quadrinista é levado ao Paraíso ou para o Inferno. Winsor McCay, por exemplo, recebeu o cargo de designer do Oitavo Círculo Celeste. Walt Disney está no Sexto Círculo do Inferno, lavando escarradeiras e latrinas no Bairro dos Hunos.
O Penhasco dos Malandrinhos, aqueles que levaram uma vida pecaminosa e só se arrependeram no último instante.
A Selva dos Ecologistas. Aqui eles aprendem o que é viver realmente em harmonia com a natureza. Sem livros e sem fósforos.
A Planície Amarela. Lotada de chineses, alguns bilhões. Dispostos em camadas.
O Vale dos Esquecidos. Aqui são depositados aqueles que morreram fazendo diálise; aqueles que morreram em shoppinng centers durante a semana do Natal; aqueles que morreram de tédio em asilos públicos ou em festas de aniversário de crianças; e aqueles que nasceram, viveram e morreram na Islândia.
Tenho que admitir que o pior momento da travessia do Purgatório foi passar pelas Colinas dos Embriões no Limbo. Era preciso extremo cuidado, eu e meu jegue, ao pisar no chão nessa região para não esmagar a alma dos pequeninos seres humanos de apenas uma, duas semanas de vida que brotavam a todo instante por aqui e acolá.
Eu escutava suspiros doloridos. Era Sócrates, que brigara novamente com a comunidade dos Gregos. Só que dessa vez não teve a opção da cicuta. Já estava ficando viciado naquele troço. Só lhe restou o exílio. Desanimado, sentado no alto da colina, tentava estabelecer algum diálogo com os milhões de fetos e embriões do Purgatório. E suspirava.
Petland Highs, o planalto dos animais de estimação muito queridos mas não batizados. Muitos cachorrinhos lindos e gatinhos fofos. Um ou outro passarinho. Alguns cavalos trotavam ao longe. Talvez tenha avistado um golfinho. Não tenho certeza.
No mais, uma travessia sem incidentes. Fomos seguidos à distância por um chimpanzé de quimono púrpura no final da trilha e uma tribo de pigmeus curiosos, logo no começo, que devem ter sentido o cheiro dos pastéis de camarão. Uma jornada tranquila pelo Purgatório. Aliás, como sempre.
Um clarão branco surgia no horizonte. Segui essa luminosidade intensa e quase cegante.
Por fim, entrei na Luz.
Reparei que as velhas placas de propaganda DEIXAI TODAS AS ESPERANÇAS VÓS QUE ENTRASTES estavam sendo trocadas por umas novas. INFERWORLD – um Mundo de Perversões. Belo marketing. No fundo O Inferno não deixa de ser uma espécie de parque temático. É um Wet & Wild com piscinas de amônia e giletes no esgorregador. Um Very Hot & Wildest, no caso.
O Jânio Quadros inaugurou recentemente uma ponte para o Inferno sobre o Rio Aqueronte. Um obra supermoderna com 16 pistas. Todas só de ida.
Eu decidi atravessar o Aqueronte, o Rio da Morte na balsa do Velho Barqueiro. Mudanças também atingiram o velho Caronte. Agora que trabalhava na travessia era o jovem Caronte Jr. Contou-me que pensava em instalar um teleférico ligando as duas margens. Ou um sistema de catapultas. Ainda estava pensando na melhor possibilidade.
Caronte Jr. estava fazendo uma promoção legal. Agora quem volta para o lado de lá GANHA uma moedinha! A minha foi um tetradracma grego. Sou um sortudo dos Infernos.
Desembarcamos no Purgatório. Estava aliviado por finalmente respirar um ar sem enxofre ou nicotina e parar de suar como empreiteiro numa CPI.
É desse jeito o Purgatório. Não fede nem cheira. Não é úmido nem seco. Não faz frio, não faz calor. O tempo está sempre nublado. Não acontece muita coisa. Digamos assim: poderia ser melhor, poderia ser pior.
O Purgatório é tão excitante como um documentário sobre as novas técnicas de operação de varizes ou sobre as variedades de pinheiros no hemisfério norte. Dá até para ver se não estiver passando mais nada em outro canal. E não está passando mais nada em outro canal.
É, em realidade, um enorme e amplo depósito. Como ninguém mais reza pelas almas do Purgatório, elas aqui vão se acumulando.
Diferentemente do Céu e do Inferno que foram concebido em círculos, o Purgatório está disposto em losangos, trapézios, elipses e eneágonos. É uma geografia peculiar. O caminho até o Paraíso é longo, reto e bem sinalizado. Atravessa todos os níveis do Purgatório até desembocar nos Portal Luminoso. A estrada tranqüila passa por diversos repositórios de almas muito interessantes.
A Cordilheira Nevada dos Budistas. A Garganta dos Luteranos. O Terraço Britânico, onde se hospedam os fãs incondicionais dos autores ingleses do séc. XIX. O Pico dos Violinistas. O famoso Estreito dos Antigos Gregos. A escondida Baía dos Tímidos.
No trecho em que a estrada margeia o litoral cruzei com o Fernando Sabino olhando um mapinha e procurando a Praia dos Cronistas Mineiros e Capixabas. Acenei, mas ele não me reconheceu.
Depois passamos pela Península dos Psdbistas. Estão todos lá. Menos o Sérgio Motta, que hoje dirige uma promissora casa de bingo no Sexto Círculo do Inferno, que é, na verdade, apenas uma fachada para uma rede de fast-food macrobiótica tailandesa.
A Ilha dos Autores de História em Quadrinhos. É um estágio temporário. Depois de cumprir alguma penitência aqui o quadrinista é levado ao Paraíso ou para o Inferno. Winsor McCay, por exemplo, recebeu o cargo de designer do Oitavo Círculo Celeste. Walt Disney está no Sexto Círculo do Inferno, lavando escarradeiras e latrinas no Bairro dos Hunos.
O Penhasco dos Malandrinhos, aqueles que levaram uma vida pecaminosa e só se arrependeram no último instante.
A Selva dos Ecologistas. Aqui eles aprendem o que é viver realmente em harmonia com a natureza. Sem livros e sem fósforos.
A Planície Amarela. Lotada de chineses, alguns bilhões. Dispostos em camadas.
O Vale dos Esquecidos. Aqui são depositados aqueles que morreram fazendo diálise; aqueles que morreram em shoppinng centers durante a semana do Natal; aqueles que morreram de tédio em asilos públicos ou em festas de aniversário de crianças; e aqueles que nasceram, viveram e morreram na Islândia.
Tenho que admitir que o pior momento da travessia do Purgatório foi passar pelas Colinas dos Embriões no Limbo. Era preciso extremo cuidado, eu e meu jegue, ao pisar no chão nessa região para não esmagar a alma dos pequeninos seres humanos de apenas uma, duas semanas de vida que brotavam a todo instante por aqui e acolá.
Eu escutava suspiros doloridos. Era Sócrates, que brigara novamente com a comunidade dos Gregos. Só que dessa vez não teve a opção da cicuta. Já estava ficando viciado naquele troço. Só lhe restou o exílio. Desanimado, sentado no alto da colina, tentava estabelecer algum diálogo com os milhões de fetos e embriões do Purgatório. E suspirava.
Petland Highs, o planalto dos animais de estimação muito queridos mas não batizados. Muitos cachorrinhos lindos e gatinhos fofos. Um ou outro passarinho. Alguns cavalos trotavam ao longe. Talvez tenha avistado um golfinho. Não tenho certeza.
No mais, uma travessia sem incidentes. Fomos seguidos à distância por um chimpanzé de quimono púrpura no final da trilha e uma tribo de pigmeus curiosos, logo no começo, que devem ter sentido o cheiro dos pastéis de camarão. Uma jornada tranquila pelo Purgatório. Aliás, como sempre.
Um clarão branco surgia no horizonte. Segui essa luminosidade intensa e quase cegante.
Por fim, entrei na Luz.
13.10.04
Divina Tragédia (canto III) - Saída pela Direita
O portão interno do Quinto Círculo dos Infernos ostentava em bronze os dizeres SIC TRANSIT GLORIA MUNDI.
Um deputado local conseguiu aprovar certa lei e os dizeres foram traduzidos para GLÓRIA, TODO MUNDO PÁRA NO TRÂNSITO.
O jegue foi uma boa escolha. É um dos meios de transporte mais rápidos do Inferno. Os jegues e as bicicletas ergométricas.
O trânsito no Quinto Círculo atingiu praticamente a perfeição da imobilidade. É a configuração automobilística precisa do nó górdio com a banda de Moebius. Não há calçadas nem transporte público. Os carros movem-se alguns centímetros por semana no asfalto mole. Por rodízio. No centro deste magnífico novelo viário foi erigida uma gigantesca estátua de Henry Ford, patrono inconteste do Quinto Círculo, feita de ferragens retorcidas e borracha vulcanizada. Das enormes narinas do colosso metálico sai uma coluna de fumaça preta de motores fundindo, contrastando com o vermelho quente do céu infernal.
Outra grande atração turística do Quinto Círculo é a Roda da Má Fortuna. São caminhões, ônibus, táxis e motoboys que ficam girando eternamente em uma praça rotatória sem saída insultando uns aos outros. No centro desta praça estão presos aqueles motoristas que andam sempre muito devagar, conversam com o passageiro ao lado, não dão pisca mas atravessam o farol assim que ele fica vermelho. Estão todos amarrados dentro de um Ford Ka escutando eternamente uma buzina de FNM de 120 decibéis.
Contrariando muitas expectativas, o Inferno é o verdadeiro paraíso liberal. Enquanto no Céu a maioria dos serviços provêm de um rígido monopólio estatal, aqui grassa o liberalismo econômico radical. A canalização social dos impulsos egoístas de seus cidadãos promoveu ao Inferno enormes progressos. Veja o exemplo das Grelhas de Sete Andares.
Antes havia filas enormes para as Grelhas que tostavam no máximo oito pecadores a cada vez em um processo manual e arcaico. Porém, o desejo dos condenados da fila de ver o camarada da frente queimar mais rápido combinado com o espírito empreendedor dos Demônios Menores e a livre concorrência entre as diversas Grelhas fizeram surgir aparelhos muito mais eficientes. Além das Grelhas de Sete Andares hoje temos também o Giro-Matic 2005, que permite amarrar os eternamente danados em ambos os lados da grelha, duplicando assim a capacidade que já está 148 churrascos de almas por hora/grelha.
No entanto o keynesianismo não chegou ao Céu. John Maynard Keynes muito menos. Mês passado foi promovido a Supervisor-Geral-Sênior do Oitavo Círculo do Inferno. Dizem que a festa de posse foi particularmente tediosa.
Continuei minha lenta escalada até os Portões Negros do Inferno. A privatização das rodovias infernais gerou uma profusão de pedágios. Um a cada 200 metros de rodovia, aproximadamente. Felizmente jegue e militar só pagam meia. Aposentado paga o triplo, pra deixar de ser besta. Fica isento da tarifa se você comprovar estar levando contrabando, que era o meu caso.
Alguns quilômetros antes dos Portais encontrei um narigudo de touca vermelha e vestidão. Dizia estar procurando uma vagabunda, uma tal de Beatriz. Então o rapaz estava no lugar certo. Aqui não falta mulher. As mais bonitas vão para o Céu integrar o mostruário do Criador (com o perdão do meu francês), porém as mais depravadas vêm sempre para cá.
O narigudo começou a explicar que desgarrara-se do seu guia e estava perdido. Pela descrição percebi que ele estava no lugar completamente errado e que o que ele estava procurando mesmo era o Hades e não o Inferno. É muito comum esse tipo de confusão por aqui. O pessoal de fora acha que é tudo a mesma coisa. Não é.
– Ixi! Você pegou o caminho errado, camarada. Você faz assim: volta por essa estrada amarelo-enxofre, passa a Caverna dos Silêncio Eterno dos Astecas e segue em frente toda vida, toda a vida, toda a vida, vai passar o Valhalla também, mas não entra lá não que o pessoal é meio invocado, vai reto e na entrada seguinte você vira à esquerda e desce a ribanceira. Entendeu? Ali é o Hades. Não tem como errar.
O narigudo de touca vermelha agradeceu e eu retribuí. – Vá com os diabos! – acenei amistosamente. O augúrio se cumpriu e rapidamente um grupinho de demônios verdes agarrou-lhe os pés e arrastou o infeliz pela estrada amarelo-enxofre.
Perto dos Portões Negros do Inferno da entrada comecei a escutar muitos e altos palavrões em francês.
Jacques Derrida discutia com um dos Demônios Burocratas e argumentava que tudo era um equívoco. Que o Inferno não existia na realidade, era apenas um constructo lingüístico baseado no arcabouço proto-medieval da mitologia greco-cristã arraigado no imaginário da civilização ocidental. Disse isso em francês, que era mais chic.
O Demônio Burocrata pediu com muita gentileza que o filósofo francês fosse desconstruir o clitóris de sua mãezinha e que se juntasse ao outro grupo recém-chegado de judeus ortodoxos que aparentavam estar muito surpresos. Muito ortodoxamente surpresos.
Na Alfândega, o procedimento de praxe. Entreguei o contrato Golden-Master-Plus-Hot-Hot-Hot com a cláusula de férias, o passaporte, o IPVA do jegue e o exame de urina. O diabinho encarregado conferiu estar tudo nos conformes e pediu a propina. Entreguei-lhe meu relógio dourado. Procedimento de praxe. Já nem me importo.
No inferno os relógios marcam somente uma única hora. E essa hora é "Tarde Demais".
O próximo passo foi passar pela Segurança e o temível cão Cérbero.
Temível, Hediondo, Apavorante são adjetivos muito usados para o cão Cérbero. Talvez sejam descrições um pouco otimistas. A propaganda do Inferno é de alta qualidade, já que pra cá vem o contingente total das agências de propaganda da Terra. Assim, os publicitários podem ter exagerado um pouquinho nas características do Guardião dos Infernos. Cérbero, na realidade, é um cachorrinho pequenino magrinho de três cabeças. Uma de chiuaua, outra de pequinês, outra de poodle-toy.
Pode não ser o cão mais assustador do Mundo. Mas com certeza é o mais mala.
Deixei o pentelho do Cérbero latindo para o Virgílio, que é um guia, velho conhecido nosso da InferTur. Supersticioso, está sempre com o raminho de arruda atrás da orelha. Ao passar pelos Portões Negros entalhados pelo Rodin e Basquiat gritei:
– Virgilioooooo! A Eneida é uma merdaaaaaaaaa!
Virgílio deu um bico no Cérbero e de longe me mostrou o dedo.
– Vai se foder, Nivronsky!!
Adoro deixar o velhinho puto. Grande figura esse Virgílio!
Um deputado local conseguiu aprovar certa lei e os dizeres foram traduzidos para GLÓRIA, TODO MUNDO PÁRA NO TRÂNSITO.
O jegue foi uma boa escolha. É um dos meios de transporte mais rápidos do Inferno. Os jegues e as bicicletas ergométricas.
O trânsito no Quinto Círculo atingiu praticamente a perfeição da imobilidade. É a configuração automobilística precisa do nó górdio com a banda de Moebius. Não há calçadas nem transporte público. Os carros movem-se alguns centímetros por semana no asfalto mole. Por rodízio. No centro deste magnífico novelo viário foi erigida uma gigantesca estátua de Henry Ford, patrono inconteste do Quinto Círculo, feita de ferragens retorcidas e borracha vulcanizada. Das enormes narinas do colosso metálico sai uma coluna de fumaça preta de motores fundindo, contrastando com o vermelho quente do céu infernal.
Outra grande atração turística do Quinto Círculo é a Roda da Má Fortuna. São caminhões, ônibus, táxis e motoboys que ficam girando eternamente em uma praça rotatória sem saída insultando uns aos outros. No centro desta praça estão presos aqueles motoristas que andam sempre muito devagar, conversam com o passageiro ao lado, não dão pisca mas atravessam o farol assim que ele fica vermelho. Estão todos amarrados dentro de um Ford Ka escutando eternamente uma buzina de FNM de 120 decibéis.
Contrariando muitas expectativas, o Inferno é o verdadeiro paraíso liberal. Enquanto no Céu a maioria dos serviços provêm de um rígido monopólio estatal, aqui grassa o liberalismo econômico radical. A canalização social dos impulsos egoístas de seus cidadãos promoveu ao Inferno enormes progressos. Veja o exemplo das Grelhas de Sete Andares.
Antes havia filas enormes para as Grelhas que tostavam no máximo oito pecadores a cada vez em um processo manual e arcaico. Porém, o desejo dos condenados da fila de ver o camarada da frente queimar mais rápido combinado com o espírito empreendedor dos Demônios Menores e a livre concorrência entre as diversas Grelhas fizeram surgir aparelhos muito mais eficientes. Além das Grelhas de Sete Andares hoje temos também o Giro-Matic 2005, que permite amarrar os eternamente danados em ambos os lados da grelha, duplicando assim a capacidade que já está 148 churrascos de almas por hora/grelha.
No entanto o keynesianismo não chegou ao Céu. John Maynard Keynes muito menos. Mês passado foi promovido a Supervisor-Geral-Sênior do Oitavo Círculo do Inferno. Dizem que a festa de posse foi particularmente tediosa.
Continuei minha lenta escalada até os Portões Negros do Inferno. A privatização das rodovias infernais gerou uma profusão de pedágios. Um a cada 200 metros de rodovia, aproximadamente. Felizmente jegue e militar só pagam meia. Aposentado paga o triplo, pra deixar de ser besta. Fica isento da tarifa se você comprovar estar levando contrabando, que era o meu caso.
Alguns quilômetros antes dos Portais encontrei um narigudo de touca vermelha e vestidão. Dizia estar procurando uma vagabunda, uma tal de Beatriz. Então o rapaz estava no lugar certo. Aqui não falta mulher. As mais bonitas vão para o Céu integrar o mostruário do Criador (com o perdão do meu francês), porém as mais depravadas vêm sempre para cá.
O narigudo começou a explicar que desgarrara-se do seu guia e estava perdido. Pela descrição percebi que ele estava no lugar completamente errado e que o que ele estava procurando mesmo era o Hades e não o Inferno. É muito comum esse tipo de confusão por aqui. O pessoal de fora acha que é tudo a mesma coisa. Não é.
– Ixi! Você pegou o caminho errado, camarada. Você faz assim: volta por essa estrada amarelo-enxofre, passa a Caverna dos Silêncio Eterno dos Astecas e segue em frente toda vida, toda a vida, toda a vida, vai passar o Valhalla também, mas não entra lá não que o pessoal é meio invocado, vai reto e na entrada seguinte você vira à esquerda e desce a ribanceira. Entendeu? Ali é o Hades. Não tem como errar.
O narigudo de touca vermelha agradeceu e eu retribuí. – Vá com os diabos! – acenei amistosamente. O augúrio se cumpriu e rapidamente um grupinho de demônios verdes agarrou-lhe os pés e arrastou o infeliz pela estrada amarelo-enxofre.
Perto dos Portões Negros do Inferno da entrada comecei a escutar muitos e altos palavrões em francês.
Jacques Derrida discutia com um dos Demônios Burocratas e argumentava que tudo era um equívoco. Que o Inferno não existia na realidade, era apenas um constructo lingüístico baseado no arcabouço proto-medieval da mitologia greco-cristã arraigado no imaginário da civilização ocidental. Disse isso em francês, que era mais chic.
O Demônio Burocrata pediu com muita gentileza que o filósofo francês fosse desconstruir o clitóris de sua mãezinha e que se juntasse ao outro grupo recém-chegado de judeus ortodoxos que aparentavam estar muito surpresos. Muito ortodoxamente surpresos.
Na Alfândega, o procedimento de praxe. Entreguei o contrato Golden-Master-Plus-Hot-Hot-Hot com a cláusula de férias, o passaporte, o IPVA do jegue e o exame de urina. O diabinho encarregado conferiu estar tudo nos conformes e pediu a propina. Entreguei-lhe meu relógio dourado. Procedimento de praxe. Já nem me importo.
No inferno os relógios marcam somente uma única hora. E essa hora é "Tarde Demais".
O próximo passo foi passar pela Segurança e o temível cão Cérbero.
Temível, Hediondo, Apavorante são adjetivos muito usados para o cão Cérbero. Talvez sejam descrições um pouco otimistas. A propaganda do Inferno é de alta qualidade, já que pra cá vem o contingente total das agências de propaganda da Terra. Assim, os publicitários podem ter exagerado um pouquinho nas características do Guardião dos Infernos. Cérbero, na realidade, é um cachorrinho pequenino magrinho de três cabeças. Uma de chiuaua, outra de pequinês, outra de poodle-toy.
Pode não ser o cão mais assustador do Mundo. Mas com certeza é o mais mala.
Deixei o pentelho do Cérbero latindo para o Virgílio, que é um guia, velho conhecido nosso da InferTur. Supersticioso, está sempre com o raminho de arruda atrás da orelha. Ao passar pelos Portões Negros entalhados pelo Rodin e Basquiat gritei:
– Virgilioooooo! A Eneida é uma merdaaaaaaaaa!
Virgílio deu um bico no Cérbero e de longe me mostrou o dedo.
– Vai se foder, Nivronsky!!
Adoro deixar o velhinho puto. Grande figura esse Virgílio!
12.10.04
Divina Tragédia (canto II) - T de Traficante
Jorginho Guinle trouxe o meu jegue.
– E aí, ó Terror de Roliúde? Conta mais.
– Sei de muito pouco. Só sei que já faz alguns meses que essas mortes vêm ocorrendo no Paraíso e que continuam sem solução. Desta vez não foi a Greta Garbo, eu garanto. Eu estava com ela, ensinando o velho baião-de-dois, durante três dos assassinatos.
– Você jura?
Jorginho segurou o pentagrama dourado que trazia pendurado no pescoço e apontou para baixo.
– Por tudo que é mais sagrado.
La Garbo já havia matado alguns criados com um grande vaso de porcelana durante uma crise histérica. Certa manhã, pareceu-lhe ver no espelho o surgimento de algumas rugas. Foi apenas um alarme falso. Havia um alfinete embaixo de seus sete colchões de pena de ganso-real e seu rosto acordara levemente marcado. A morte dos criados relapsos que esqueceram o alfinete foi considerada uma punição bastante razoável e o caso nunca veio à tona.
– Jorge, tome conta dos negócios enquanto eu não voltar.
Jorginho Guinle não estava mais lá. Já partira para a sua visitinha diária a Mae West.
Meu traficante oficial era Orson Welles. Ele tinha dupla cidadania e trânsito livre entre as esferas do Além. As Forças nunca souberam exatamente o que fazer com ele. Assim, Orson fazia espetáculos de mágica no Paraíso e traficava no Inferno. Ou melhor, traficava do Inferno. Todas essas coisas que estão em falta no Paraíso, mas com muita procura por lá. Caravaggios falsos, DVDs piratas, vibradores coloridos e todos os tipos de drogas. Mescalina, crack, ópio, viagra e pastéis de camarão, principalmente.
No Inferno, Orson passava os dias fumando charutos e bebendo tequila em um boteco inóspito encravado entre a vila dos dos dançarinos de flamenco e o bairro dos malufistas. Instalava-se sempre em uma enorme cadeira de vime branco virada para um poço de lava e enxofre onde se debatiam advogados e produtores de Hollywood, para evidente satisfação do velho Orson. Duas mulatas pubescentes brincavam em seu colo e uma núbia lhe soprava gentilmente o suor da nuca.
Assim que Orson me viu chegar escutei sua voz de vulcão:
– Ora, ora, ora, se não é Michaetch Mahukutaefail Wladisknivronzky. O que o traz aqui, Nivronsky?
– Meu jegue. Escute, Orson, estou pensando em tirar minhas férias acumuladas no Paraíso. O que você sabe dos assassinatos que estão ocorrendo por lá?
Ele ajeitou seu corpo imenso na cadeira de palha. Esse processo demorou pelo menos uns seis minutos. No Inferno, Orson tinha a aparência balofa, imberbe e suarenta de A Marca da Maldade, enquanto no Céu, personificava o jovem galã de Cidadão Kane. Eu preferia a versão Orson de barba comprida e cinzenta. Mas no Inferno barbas longas são evitadas. Perigosamente inflamáveis. Bebeu um gole de tequila. Deu uma mordida no sanduíche de pimenta, picles e carne-de-sol. E eu ali, esperando.
– Por que você quer saber?
– Porque estou comendo o pão que o diabo amassou e no Paraíso eles costumam pagar bem por essas investigações.
É verdade. Aqui só me pedem flagrantes de adultério. Maridos querendo fotos da esposa trepando com outros. Não é à toa que os chifres são comuns por aqui. Quando a investigação aponta que elas não têm amantes, mando o Jorginho fazer o serviço e tiro eu mesmo as fotos. O casal fica sempre muito feliz, mas não paga bem. Só ganho alguns cobres quando publico as fotos nas revistas de maior circulação nos Infernos que são a Private Especial de Carnaval e O Acendedor da Seicho-no-ie Especial de Carnaval. O carnaval aqui, como se sabe, dura o ano inteiro, mas só tem cerveja quente e choca. A música é feita só de refrões de axé music emendados uns nos outros, cantados pelo Carlos Imperial se alternando nos vocais com um demônio assírio com cabeça de cabra e voz gosmentamente bêbada.
Orson fez várias caretas enquanto se ajeitava novamente na cadeira. Parecia uma Moby Dick moribunda tentando sair de uma cesta de vime num mercado na periferia de Bangcoc.
– Pois bem, eu direi o que eu sei. Mas você, Nivronsky, fará um serviço de transporte para mim, ok?
– Sem problemas. Meu jegue será sua mula.
Orson Welles explicou que todos os crimes tinham acontecido na elegante mansão de Lord Buttock. Todos aqueles que investigaram o caso acabaram tendo uma morte misteriosa. O último foi Sir Arthur Conan Doyle. Com medo de encarnarem novamente na Terra, os detetives locais foram todos abandonando o caso e, assim, ele continuava insolúvel. Mas não para uma alma naturalmente investigadora e eternamente danada como a minha, frisou meu amigo Orson.
Guardei dentro do jegue as encomendas que Orson enviava moradores do Paraíso. Felizmente meu jegue era gay e não se incomodou.
– E, Nivronsky… – rosnou Orson com malícia.
– Sim?
– … não vá perder a hora. – Orson me estendeu sacanamente o meu próprio relógio que ele havia empalmado. Ele sabia que seria importante.
Entardecia. Piquei a mula rumo aos Portões Negros do Inferno.
– E aí, ó Terror de Roliúde? Conta mais.
– Sei de muito pouco. Só sei que já faz alguns meses que essas mortes vêm ocorrendo no Paraíso e que continuam sem solução. Desta vez não foi a Greta Garbo, eu garanto. Eu estava com ela, ensinando o velho baião-de-dois, durante três dos assassinatos.
– Você jura?
Jorginho segurou o pentagrama dourado que trazia pendurado no pescoço e apontou para baixo.
– Por tudo que é mais sagrado.
La Garbo já havia matado alguns criados com um grande vaso de porcelana durante uma crise histérica. Certa manhã, pareceu-lhe ver no espelho o surgimento de algumas rugas. Foi apenas um alarme falso. Havia um alfinete embaixo de seus sete colchões de pena de ganso-real e seu rosto acordara levemente marcado. A morte dos criados relapsos que esqueceram o alfinete foi considerada uma punição bastante razoável e o caso nunca veio à tona.
– Jorge, tome conta dos negócios enquanto eu não voltar.
Jorginho Guinle não estava mais lá. Já partira para a sua visitinha diária a Mae West.
Meu traficante oficial era Orson Welles. Ele tinha dupla cidadania e trânsito livre entre as esferas do Além. As Forças nunca souberam exatamente o que fazer com ele. Assim, Orson fazia espetáculos de mágica no Paraíso e traficava no Inferno. Ou melhor, traficava do Inferno. Todas essas coisas que estão em falta no Paraíso, mas com muita procura por lá. Caravaggios falsos, DVDs piratas, vibradores coloridos e todos os tipos de drogas. Mescalina, crack, ópio, viagra e pastéis de camarão, principalmente.
No Inferno, Orson passava os dias fumando charutos e bebendo tequila em um boteco inóspito encravado entre a vila dos dos dançarinos de flamenco e o bairro dos malufistas. Instalava-se sempre em uma enorme cadeira de vime branco virada para um poço de lava e enxofre onde se debatiam advogados e produtores de Hollywood, para evidente satisfação do velho Orson. Duas mulatas pubescentes brincavam em seu colo e uma núbia lhe soprava gentilmente o suor da nuca.
Assim que Orson me viu chegar escutei sua voz de vulcão:
– Ora, ora, ora, se não é Michaetch Mahukutaefail Wladisknivronzky. O que o traz aqui, Nivronsky?
– Meu jegue. Escute, Orson, estou pensando em tirar minhas férias acumuladas no Paraíso. O que você sabe dos assassinatos que estão ocorrendo por lá?
Ele ajeitou seu corpo imenso na cadeira de palha. Esse processo demorou pelo menos uns seis minutos. No Inferno, Orson tinha a aparência balofa, imberbe e suarenta de A Marca da Maldade, enquanto no Céu, personificava o jovem galã de Cidadão Kane. Eu preferia a versão Orson de barba comprida e cinzenta. Mas no Inferno barbas longas são evitadas. Perigosamente inflamáveis. Bebeu um gole de tequila. Deu uma mordida no sanduíche de pimenta, picles e carne-de-sol. E eu ali, esperando.
– Por que você quer saber?
– Porque estou comendo o pão que o diabo amassou e no Paraíso eles costumam pagar bem por essas investigações.
É verdade. Aqui só me pedem flagrantes de adultério. Maridos querendo fotos da esposa trepando com outros. Não é à toa que os chifres são comuns por aqui. Quando a investigação aponta que elas não têm amantes, mando o Jorginho fazer o serviço e tiro eu mesmo as fotos. O casal fica sempre muito feliz, mas não paga bem. Só ganho alguns cobres quando publico as fotos nas revistas de maior circulação nos Infernos que são a Private Especial de Carnaval e O Acendedor da Seicho-no-ie Especial de Carnaval. O carnaval aqui, como se sabe, dura o ano inteiro, mas só tem cerveja quente e choca. A música é feita só de refrões de axé music emendados uns nos outros, cantados pelo Carlos Imperial se alternando nos vocais com um demônio assírio com cabeça de cabra e voz gosmentamente bêbada.
Orson fez várias caretas enquanto se ajeitava novamente na cadeira. Parecia uma Moby Dick moribunda tentando sair de uma cesta de vime num mercado na periferia de Bangcoc.
– Pois bem, eu direi o que eu sei. Mas você, Nivronsky, fará um serviço de transporte para mim, ok?
– Sem problemas. Meu jegue será sua mula.
Orson Welles explicou que todos os crimes tinham acontecido na elegante mansão de Lord Buttock. Todos aqueles que investigaram o caso acabaram tendo uma morte misteriosa. O último foi Sir Arthur Conan Doyle. Com medo de encarnarem novamente na Terra, os detetives locais foram todos abandonando o caso e, assim, ele continuava insolúvel. Mas não para uma alma naturalmente investigadora e eternamente danada como a minha, frisou meu amigo Orson.
Guardei dentro do jegue as encomendas que Orson enviava moradores do Paraíso. Felizmente meu jegue era gay e não se incomodou.
– E, Nivronsky… – rosnou Orson com malícia.
– Sim?
– … não vá perder a hora. – Orson me estendeu sacanamente o meu próprio relógio que ele havia empalmado. Ele sabia que seria importante.
Entardecia. Piquei a mula rumo aos Portões Negros do Inferno.
11.10.04
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Todo e qualquer texto publicado na caixa de comentários por terceiros refletirá a partir de hoje e para todo o sempre a posição do dono deste blog. Em caso de opiniões divergentes o dono do blog concordará veementemente com a última opinião e discordará de todas as demais.
Os comentários aqui publicados por mais absurdos ou preconceituosos que sejam serão a partir de hoje defendidos com unhas e dentes até a última instância jurídica possível pelo proprietário do blog mesmo que custe o sangue de milhões e milhões de criancinhas puras e inocentes por todo o planeta.
Qualquer texto que possa ser considerado inócuo, anódino, inofensivo ou extremamente educado que for publicado nesta caixa de comentários corre o risco de ser sumariamente ironizado.
beijo de língua nocêis
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beijo de língua nocêis
9.10.04
Não basta ser arquiinimigo - tem que participar!
O texto dos Quintos dos Infernos aí em baixo já tem algum tempinho e foi inspirado NOS LIVROS de Mestre Alexandre. Eu os recomendo vivamente. São deliciosos livros-pavê, daqueles de se comer às colheradas diretamente na forma e já com remorsos de devolver à geladeira.
Há ainda pelo menos mais duas partes do Quinto dos Infernos que estão na minha cabeça. Estou esperando que meu Plano de Saúde confirme a viabilidade da cirurgia craniana para a extração dos referidos textos.
Bor enquando esdou gribado. Esberem um bouquinho.
Há ainda pelo menos mais duas partes do Quinto dos Infernos que estão na minha cabeça. Estou esperando que meu Plano de Saúde confirme a viabilidade da cirurgia craniana para a extração dos referidos textos.
Bor enquando esdou gribado. Esberem um bouquinho.
8.10.04
Patrulha
Na entrada da Bienal havia um grupo protestando. Eles distribuíam um inofensivo panfleto maleporcamente redigido contra a "elitização da arte" e temas anexos. Protestavam contra diversas coisas como por exemplo os "Déspotas Aventureiros" que comandam as artes. Eu achei o fim da picada. Entendo que devamos nos opor sempre aos Déspotas Covardes, claro, mas por que contra os Déspotas Aventureiros? O que seria da História se não fossem os Déspotas Aventureiros? São os únicos déspotas que servem pra alguma coisa.
No folheto reclamavam também contra todos os "Sussurros Envergonhados". Ah, assim não dá!! Não se pode nem sussurrar envergonhadamente mais? Oras! Que patrulha, credo!
– Hmmmmm drga… rsgsosfdlhsdacaumss…
– Hein?
– Shhhh! hmeursgsusfdlhosdmnhcaumss…
– Pô! Coloca isso pra fora, homem! Tira isso de seu peito! Deixe o Mundo escutar sua voz! Seja um elemento participante e criativo dessa nossa sociedade multiétnica e multicultural! Desembuche sem censuras! Arremesse suas palavras livres aos quatro ventos, cara!
– RASGUEI OS FUNDILHOS DA MINHA CALÇA, PORRA!
– Ah.
No folheto reclamavam também contra todos os "Sussurros Envergonhados". Ah, assim não dá!! Não se pode nem sussurrar envergonhadamente mais? Oras! Que patrulha, credo!
– Hmmmmm drga… rsgsosfdlhsdacaumss…
– Hein?
– Shhhh! hmeursgsusfdlhosdmnhcaumss…
– Pô! Coloca isso pra fora, homem! Tira isso de seu peito! Deixe o Mundo escutar sua voz! Seja um elemento participante e criativo dessa nossa sociedade multiétnica e multicultural! Desembuche sem censuras! Arremesse suas palavras livres aos quatro ventos, cara!
– RASGUEI OS FUNDILHOS DA MINHA CALÇA, PORRA!
– Ah.
7.10.04
Divina Tragédia (canto I) - O Quinto dos Infernos
Meu nome é Nivronzky. Na verdade é Michaetch Mahukutaefail Wladisknivronzky dos Santos. Mas as pessoas me chamam de Nivronzky. Chamam-me de outras coisas também. Mas eu não respondo. Sou detetive particular. E moro no Inferno.
Não. Não é uma forma de expressão. Moro realmente no Inferno, junto com outras almas penadas. No Quinto Círculo, mais precisamente. Este Quinto Círculo é terrível: igualzinho a São Paulo, só que sem os cinemas e administrado permanentemente pelo Pitta. O Sexto Círculo é pior: idêntico a Mogi das Cruzes. O Sétimo, Nova Déli. O Oitavo é uma Brasília com semáforos. O Nono nem queira saber. Em todos faz muito calor. Muito calor mesmo.
Derramava minha transpiração num copo quando Jorginho Guinle, meu novíssimo secretário, entrou em meu escritório. Veio entregar a correspondência. Sim, aqui no Inferno os Correios também existem mas entregam somente malas diretas e contas vencidas e com multas. Os Correios foram privatizados no Inferno, assim como todos os demais serviços públicos. O serviço piorou bastante mas agora eles nos cobram uma tarifa extra pelo aumento da ineficiência.
– Sr Nivronzky, há um crime a ser investigado no Paraíso. - disse Jorge Guinle.
Ele fazia visitas freqüentes ao Paraíso pra comer a Greta Garbo. – Assassinatos em série - completou.
– Sim? E eles precisam da ajuda de uma cabeça brilhante como a minha? - Perguntei enquanto enxugava o suor do cocuruto.
– Não. Mas achei que gostaria de saber.
Tentei me informar sobre esses assassinatos nos jornais e na TV. Mas os únicos jornais do Inferno são edições atrasadas d'O Rascunho e cadernos de classificados de imóveis. Na TV com chiado há apenas os eternos programas de auditório em todos os canais. E propaganda eleitoral.
No Inferno os celulares não falam, só tocam a musiquinha irritante. Muito alto e o tempo todo. Quando você atende ele desliga. A telefonia fixa no inferno consiste em apenas e tão somente dois orelhões. Desta forma os habitantes, depois de enfrentar filas de vários quilômetros para telefonar, devem ainda torcer para que a pessoa com que ela deseja falar tenha chegado ao outro orelhão no mesmo momento. Outro meio popular de comunicação é a Infernet, versão infernal da Internet. Porém todos os emails são spams e contém vírus perigosos que podem transformar seu computador numa gosma quente e pegajosa em segundos. Isso explica porque a única forma de comunicação utilizada com êxito no Inferno é o grito.
Eu tenho licença para sair do Inferno de vez em quando. Fiz questão de colocar no meu contrato. Por isso recomendo sempre negociar a danação eterna de sua alma enquanto você ainda está vivo e não deixar para prestar atenção nesse detalhe quando for tarde demais. O meu contrato é o Golden-Master-Plus-Hot-Hot-Hot com Lesbian-chics. Foi uma boa escolha.
Resolvi então gastar minha folga secular prevista em contrato. Para ir ao Paraíso são necessárias dezessete conduções. Todas lotadas. O trânsito estava infernal, como é de praxe no Quinto Círculo.
Decidi ir de Jegue. Mas antes eu precisava passar no meu traficante.
Não. Não é uma forma de expressão. Moro realmente no Inferno, junto com outras almas penadas. No Quinto Círculo, mais precisamente. Este Quinto Círculo é terrível: igualzinho a São Paulo, só que sem os cinemas e administrado permanentemente pelo Pitta. O Sexto Círculo é pior: idêntico a Mogi das Cruzes. O Sétimo, Nova Déli. O Oitavo é uma Brasília com semáforos. O Nono nem queira saber. Em todos faz muito calor. Muito calor mesmo.
Derramava minha transpiração num copo quando Jorginho Guinle, meu novíssimo secretário, entrou em meu escritório. Veio entregar a correspondência. Sim, aqui no Inferno os Correios também existem mas entregam somente malas diretas e contas vencidas e com multas. Os Correios foram privatizados no Inferno, assim como todos os demais serviços públicos. O serviço piorou bastante mas agora eles nos cobram uma tarifa extra pelo aumento da ineficiência.
– Sr Nivronzky, há um crime a ser investigado no Paraíso. - disse Jorge Guinle.
Ele fazia visitas freqüentes ao Paraíso pra comer a Greta Garbo. – Assassinatos em série - completou.
– Sim? E eles precisam da ajuda de uma cabeça brilhante como a minha? - Perguntei enquanto enxugava o suor do cocuruto.
– Não. Mas achei que gostaria de saber.
Tentei me informar sobre esses assassinatos nos jornais e na TV. Mas os únicos jornais do Inferno são edições atrasadas d'O Rascunho e cadernos de classificados de imóveis. Na TV com chiado há apenas os eternos programas de auditório em todos os canais. E propaganda eleitoral.
No Inferno os celulares não falam, só tocam a musiquinha irritante. Muito alto e o tempo todo. Quando você atende ele desliga. A telefonia fixa no inferno consiste em apenas e tão somente dois orelhões. Desta forma os habitantes, depois de enfrentar filas de vários quilômetros para telefonar, devem ainda torcer para que a pessoa com que ela deseja falar tenha chegado ao outro orelhão no mesmo momento. Outro meio popular de comunicação é a Infernet, versão infernal da Internet. Porém todos os emails são spams e contém vírus perigosos que podem transformar seu computador numa gosma quente e pegajosa em segundos. Isso explica porque a única forma de comunicação utilizada com êxito no Inferno é o grito.
Eu tenho licença para sair do Inferno de vez em quando. Fiz questão de colocar no meu contrato. Por isso recomendo sempre negociar a danação eterna de sua alma enquanto você ainda está vivo e não deixar para prestar atenção nesse detalhe quando for tarde demais. O meu contrato é o Golden-Master-Plus-Hot-Hot-Hot com Lesbian-chics. Foi uma boa escolha.
Resolvi então gastar minha folga secular prevista em contrato. Para ir ao Paraíso são necessárias dezessete conduções. Todas lotadas. O trânsito estava infernal, como é de praxe no Quinto Círculo.
Decidi ir de Jegue. Mas antes eu precisava passar no meu traficante.
6.10.04
Lullaby
hush little girl
sweet baby dont cry, tonight
daddy is here and he'll sing you a soft lullaby, tonight
why cant it all be like it was before
how can i explain why mommy's not here anymore
cause daddy likes porno and $10 whores
daddy gets wasted and robs liquor stores
daddy likes rubbing against little boys on the bus
i think thats why mommy left us, mommy left us
hush little girl
there is no reason to fret, tonight
don't mind the smoke, daddy just wants to forget, tonight
soon it will all be like it was before
any minute, she will walk through that front door
but daddy plays poker and drinks lots of beer
then he wants sex that involves mommy's rear
daddy has sores on his naughty parts oozing with pus
i think thats why mommy left us
please dont cry
i swear i'll try
to be here by your side
right after daddy gets home from the bar
visits his bookee
and steals a new car
he'll drive to the strip club
and if daddy plays his cards right
he'll bring home your new mommy tonight
escutem o Stephen Lynch
***
Calma filhinha
não há nada mais a temer
deixe de choro, papai está aqui com você
porque na nossa vida tudo mudou
como explicar porque mamãe nos deixou
porque papai fuma crack com umas depravadas
papai quando bebe assalta a mão armada
papai gosta de encoxar os meninos no metrô
acho que por isso mamãe nos deixou
Calma filhinha
não precisa se apavorar
esqueça a fumaça, papai só quer relaxar,
logo mamãe voltará pra nos abraçar
lavar toda louça da pia e deixar o papai ir pro bar
mas papai sai sempre com umas vagabundas
papai tem um fedor esquisito na bunda
Papai jogou no milhar toda a poupança do vovô
acho que por isso mamãe nos deixou
e papai chamava mamãe de vaca maluca
papai batia em mamãe com o taco de sinuca
papai queria que mamãe comesse o seu cocô
acho que por isso mamãe nos deixou
não, não chore
pode ser que demore
mas estarei sempre aqui com você
depois que papai voltar do boteco
um rolê no trafica
e der mais uns teco
vai passar no puteiro
e se ainda sobrar um dinheiro
ele trará uma mamãe pra você
lararai…
sweet baby dont cry, tonight
daddy is here and he'll sing you a soft lullaby, tonight
why cant it all be like it was before
how can i explain why mommy's not here anymore
cause daddy likes porno and $10 whores
daddy gets wasted and robs liquor stores
daddy likes rubbing against little boys on the bus
i think thats why mommy left us, mommy left us
hush little girl
there is no reason to fret, tonight
don't mind the smoke, daddy just wants to forget, tonight
soon it will all be like it was before
any minute, she will walk through that front door
but daddy plays poker and drinks lots of beer
then he wants sex that involves mommy's rear
daddy has sores on his naughty parts oozing with pus
i think thats why mommy left us
please dont cry
i swear i'll try
to be here by your side
right after daddy gets home from the bar
visits his bookee
and steals a new car
he'll drive to the strip club
and if daddy plays his cards right
he'll bring home your new mommy tonight
escutem o Stephen Lynch
***
Calma filhinha
não há nada mais a temer
deixe de choro, papai está aqui com você
porque na nossa vida tudo mudou
como explicar porque mamãe nos deixou
porque papai fuma crack com umas depravadas
papai quando bebe assalta a mão armada
papai gosta de encoxar os meninos no metrô
acho que por isso mamãe nos deixou
Calma filhinha
não precisa se apavorar
esqueça a fumaça, papai só quer relaxar,
logo mamãe voltará pra nos abraçar
lavar toda louça da pia e deixar o papai ir pro bar
mas papai sai sempre com umas vagabundas
papai tem um fedor esquisito na bunda
Papai jogou no milhar toda a poupança do vovô
acho que por isso mamãe nos deixou
e papai chamava mamãe de vaca maluca
papai batia em mamãe com o taco de sinuca
papai queria que mamãe comesse o seu cocô
acho que por isso mamãe nos deixou
não, não chore
pode ser que demore
mas estarei sempre aqui com você
depois que papai voltar do boteco
um rolê no trafica
e der mais uns teco
vai passar no puteiro
e se ainda sobrar um dinheiro
ele trará uma mamãe pra você
lararai…
5.10.04
O retorno dos Clássicos para a Juventude
Outro dia comentei que gostava de ler também livros abaixo e acima (!?) de minha faixa etária. Subentendido está que os livros abaixo da minha faixa etária são quadrinhos e alguns bons livros infanto-juvenis. Mas qual seria a literatura pertinente a uma faixa etária que esteja bem acima da minha, que começo a rondar os 40? Bulas de analgésicos e necrológios de jornal?
Lembrei que é muito freqüente que o velho leitor compulsivo vá retornando com o passar dos anos aos clássicos de sua juventude e aos pilares de sua formação literária. Talvez sem encontrar o mesmo apelo na literatura recente o esse leitor mais velho volta àqueles volumes clássicos com alto teor de releitura. Pois ler um clássico não é sempre reler? De volta ao bom e velho Proust, ao incólume Tolstoi, ao soberano Drummond.
Parece que toda geração tem o seu grau de embotamento artístico e para isso estabelecem marcos. Na música aparecem exemplos muito claros. Nada de bom foi produzido depois de Stravinsky ou dos Allman Brothers, ou do Cocteau Twins, dependendo da geração. Alguns são bastante precisos em relação aos limites. A Música Popular Brasileira terminou inexoravelmente numa terça-feira de outubro de 1969 durante o intervalo de um show da Elizeth Cardoso com Zimbo Trio no Canecão.
Então de volta aos velhos LPs do baú. Aos clássicos da MGM, agora em DVD. Aonde foi parar minha coleção da Agatha Christie?
E onde terminará esse insistente resgate das emoções literárias de antanho? Júlio Verne, A Ilha do Tesouro, Monteiro Lobato. Não quero mais saber do novo contrato do plano de saúde, por favor deixe-me ler mais uma vez minha primeira cartilha com o Pedrito, Marita e o serelepe caõzinho Tupy, meu primeiro e último clássico.
Lembrei que é muito freqüente que o velho leitor compulsivo vá retornando com o passar dos anos aos clássicos de sua juventude e aos pilares de sua formação literária. Talvez sem encontrar o mesmo apelo na literatura recente o esse leitor mais velho volta àqueles volumes clássicos com alto teor de releitura. Pois ler um clássico não é sempre reler? De volta ao bom e velho Proust, ao incólume Tolstoi, ao soberano Drummond.
Parece que toda geração tem o seu grau de embotamento artístico e para isso estabelecem marcos. Na música aparecem exemplos muito claros. Nada de bom foi produzido depois de Stravinsky ou dos Allman Brothers, ou do Cocteau Twins, dependendo da geração. Alguns são bastante precisos em relação aos limites. A Música Popular Brasileira terminou inexoravelmente numa terça-feira de outubro de 1969 durante o intervalo de um show da Elizeth Cardoso com Zimbo Trio no Canecão.
Então de volta aos velhos LPs do baú. Aos clássicos da MGM, agora em DVD. Aonde foi parar minha coleção da Agatha Christie?
E onde terminará esse insistente resgate das emoções literárias de antanho? Júlio Verne, A Ilha do Tesouro, Monteiro Lobato. Não quero mais saber do novo contrato do plano de saúde, por favor deixe-me ler mais uma vez minha primeira cartilha com o Pedrito, Marita e o serelepe caõzinho Tupy, meu primeiro e último clássico.
2.10.04
Democracy, shmuckracy…
Qual é a qualidade da democracia em um país em que um candidato que tenha 30% dos votos possa vencer um outro com que tenha 70% dos eleitores?
No compto oficial de 2000 Al Gore recebeu 500 mil votos de eleitores a mais que o Bushit Jr. e ainda assim não foi declarado presidente. E todo mundo aqui e lá acha isso normalíssimo. "Uma pessoa, um voto" é um conceito bem secundário nas eleições presidenciais indiretas dos EUA. Pois em quase todos os estados (Maine e Nebraska são exceções) funciona o esquema "the winner takes all", o partido com mais votos leva todos os delegados.
Por isso é desimportante saber como o candidato está nas pesquisas nacionais. Não faz muita diferença. O fundamental é ver como ele está nos "swing states" onde a batalha realmente acontece. Os Republicanos não vão ganhar em Nova York e tampouco os Democratas no Texas. A influência dos debates presidenciais nessas regiões é irrisória. Se Kerry subir mais 10% na Califórnia ou Bush na Georgia eles não vão ganhar nem um delegado a mais. Mas na Flórida (27 delegados), em Ohio (20) e Michigan (17) o pau está comendo legal. São 270 os delegados necessários para se eleger um presidente. Bushit, enquanto escrevo, tem 276 delegados.
Então como esse sistema eleitoral dos Arautos da Democracia é de uma estupidez atávica eu venho acompanhando este mapa que mostra estrategicamente como está a corrida no verdadeiro colégio eleitoral nos EUA.
É bem mais divertido que acompanhar a tabela do campeonato brasileiro, eu garanto. Parece um tabuleiro de wargame com a União enfrentando os Confederados (os republicanos - surprise! - vão sempre muito bem nos estados escravocratas). O site usa para cada estado as pesquisas mais recentes possíveis, independente da procedência, e por isso está sujeito por vezes a variações um pouco bizarras. Mas é muito mais confiável do que qualquer pesquisa nacional que você vê por aí.
Pois, teoricamente, tanto O Babaca quanto O Imbecil podem ganhar com apenas 30% dos votos nacionais – se estiverem no estado correto.
No compto oficial de 2000 Al Gore recebeu 500 mil votos de eleitores a mais que o Bushit Jr. e ainda assim não foi declarado presidente. E todo mundo aqui e lá acha isso normalíssimo. "Uma pessoa, um voto" é um conceito bem secundário nas eleições presidenciais indiretas dos EUA. Pois em quase todos os estados (Maine e Nebraska são exceções) funciona o esquema "the winner takes all", o partido com mais votos leva todos os delegados.
Por isso é desimportante saber como o candidato está nas pesquisas nacionais. Não faz muita diferença. O fundamental é ver como ele está nos "swing states" onde a batalha realmente acontece. Os Republicanos não vão ganhar em Nova York e tampouco os Democratas no Texas. A influência dos debates presidenciais nessas regiões é irrisória. Se Kerry subir mais 10% na Califórnia ou Bush na Georgia eles não vão ganhar nem um delegado a mais. Mas na Flórida (27 delegados), em Ohio (20) e Michigan (17) o pau está comendo legal. São 270 os delegados necessários para se eleger um presidente. Bushit, enquanto escrevo, tem 276 delegados.
Então como esse sistema eleitoral dos Arautos da Democracia é de uma estupidez atávica eu venho acompanhando este mapa que mostra estrategicamente como está a corrida no verdadeiro colégio eleitoral nos EUA.
É bem mais divertido que acompanhar a tabela do campeonato brasileiro, eu garanto. Parece um tabuleiro de wargame com a União enfrentando os Confederados (os republicanos - surprise! - vão sempre muito bem nos estados escravocratas). O site usa para cada estado as pesquisas mais recentes possíveis, independente da procedência, e por isso está sujeito por vezes a variações um pouco bizarras. Mas é muito mais confiável do que qualquer pesquisa nacional que você vê por aí.
Pois, teoricamente, tanto O Babaca quanto O Imbecil podem ganhar com apenas 30% dos votos nacionais – se estiverem no estado correto.
1.10.04
Jesus falava por parábolas. Já eu prefiro senoidais.
Na Igreja do Sagrado Fígado com Fibrose de São Tomé das Letras congregam-se diversos tipos de pedras que aos poucos vão chegando para a missa. Os granitos, os mármores, os basaltos, as pedras-sabão, as pedras-pome vão se distribuíndo pelos bancos do templo. Os grandes matacões sisudos pedem silêncio aos pequeninos cascalhos que riem baixinho dos liquens na velha pedra sentada na primeira fila antes de começar a homilia do Frei Ratapulgo.
– Glória ao Senhor! O sermão de hoje versará sobre a generosidade e a economia de mercado. Exigirá que vocês imaginem uma historinha como se fosse um cartum do Quino. Sabe aquele náufrago barbudo magrelo típico na ilha típica com palmeirinha idem? Pois então, é ele. Imaginem o sujeito no primeiro quadrinho todo desolado em sua ilhota. No segundo quadrinho aparece a proa de um barco enorme, um baleeiro. O barbudo magrelo sorri, radiante, na expectativa do resgate. Depois o capitão desce à ilhota, todo aristocrático de cachimbo e lenço no pescoço. O capitão explica graficamente ao barbudo todo o processo de localização das baleias via GPS, o arpoamento desses grandes cetáceos, o içamento da bichona até o convés, a abertura do ventre pela tripulação e a metodologia do acondicionamento das víceras. Terminada a explicação o capitão cumprimenta efusivamente o náufrago e dá para ele um saquinho transparente com um peixinho dourado. No último quadrinho o barbudo da ilha e o peixinho no saco encaram-se mutuamente enquanto o baleeiro singra em direção ao horizonte.
Visualizaram? Pois muito bem. Agora, abramos todos os hinários em Geraldo Vandré 3:17. Vamos todos caminhando e cantando e seguindo para nossas casas meditar sobre o significado de "Não basta dar o peixe, o importante é ensinar a pescar." Amém?
As pedras começam a sair da igrejinha, umas rolando, outras lentamente se arrastando.
– Ah! Não se esqueçam de deixar metade do dinheiro da carteira de vocês na caixinha de doações na saída. Senão… (Frei Ratapulgo aponta a britadeira dourada sobre o altar) já viram, né? Vocês sabem, o Frei Ratapulgo tem que pagar os agiotas e também comprar o novo DVD da Rita Cadilac pra poder movimentar a economia.
Um paralelepipedozinho impertinente pergunta na saída:
– Mas mãe, baleia é peixe?
A mãe, magmática, dá uma pancada na cabeça do menino que tira até uma lasca.
– Glória ao Senhor! O sermão de hoje versará sobre a generosidade e a economia de mercado. Exigirá que vocês imaginem uma historinha como se fosse um cartum do Quino. Sabe aquele náufrago barbudo magrelo típico na ilha típica com palmeirinha idem? Pois então, é ele. Imaginem o sujeito no primeiro quadrinho todo desolado em sua ilhota. No segundo quadrinho aparece a proa de um barco enorme, um baleeiro. O barbudo magrelo sorri, radiante, na expectativa do resgate. Depois o capitão desce à ilhota, todo aristocrático de cachimbo e lenço no pescoço. O capitão explica graficamente ao barbudo todo o processo de localização das baleias via GPS, o arpoamento desses grandes cetáceos, o içamento da bichona até o convés, a abertura do ventre pela tripulação e a metodologia do acondicionamento das víceras. Terminada a explicação o capitão cumprimenta efusivamente o náufrago e dá para ele um saquinho transparente com um peixinho dourado. No último quadrinho o barbudo da ilha e o peixinho no saco encaram-se mutuamente enquanto o baleeiro singra em direção ao horizonte.
Visualizaram? Pois muito bem. Agora, abramos todos os hinários em Geraldo Vandré 3:17. Vamos todos caminhando e cantando e seguindo para nossas casas meditar sobre o significado de "Não basta dar o peixe, o importante é ensinar a pescar." Amém?
As pedras começam a sair da igrejinha, umas rolando, outras lentamente se arrastando.
– Ah! Não se esqueçam de deixar metade do dinheiro da carteira de vocês na caixinha de doações na saída. Senão… (Frei Ratapulgo aponta a britadeira dourada sobre o altar) já viram, né? Vocês sabem, o Frei Ratapulgo tem que pagar os agiotas e também comprar o novo DVD da Rita Cadilac pra poder movimentar a economia.
Um paralelepipedozinho impertinente pergunta na saída:
– Mas mãe, baleia é peixe?
A mãe, magmática, dá uma pancada na cabeça do menino que tira até uma lasca.
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