14.6.03

Hora da Trova
ou Putaria também é Cultura

Martim Soares foi um grande trovador português da primeira metade do século XIII. Na Espanha relacionou-se com os poetas provençais durante o reinado de Fernando III, e absorveu a estética dos trovadores occitânicos. Versado nas Cantigas de Escárnio e Maldizer, de Martim Soares diziam "que trovou melhor do que todos que trovaram e assim foi julgado entre os outros trovadores".
Esta é uma singela homenagem ao grande putanheiro.


Cantiga a Pero Rodrigues
(Cuja mulher era acusada de um atraiçoar)

Pero Rodrigues, da vossa mulher
Não acrediteis no mal que vos digam.
Tenho eu a certeza que muito vos quer.
Quem tal não disser quer fazer intriga.
Sabei que outro dia quando eu a fodia,
enquanto gozava, pelo que dizia,
muito me mostrava que era vossa amiga.

Se vos deu o céu mulher tão leal,
que vos não agaste qualquer picardia,
pois mente quem dela vos for dizer mal.
Sabei que Ihe ouvi jurar outro dia
que vos estimava mais do que a ninguém;
e para mostrar quanto vos quer bem,
fodendo comigo assim me dizia

(C.V. 976, CBN 1319)
 

Cantiga a Afonso Enes de Coton

Meu Nosso Senhor, ando eu molestado
com todos os vícios que me foste dar.
Sou dos putanheiros o mais porfiado;
não menos me apraz os dados jogar;
e é grande o prazer que sinto em errar
por estas vielas, do mundo apartado

Se de melhor vida fora venturoso,
lograra mais preço e mais honras ter.
Mas deste foder mais me apraz o gozo;
e o destas tabernas, e o deste beber.
Já que outra virtude não posso valer,
vale-me viver contente e viçoso.

Se não valho nada e não alimento
esperança de alguma virtude alcançar,
não quero perder este arreitamento,
tão pouco estas putas e este disputar.
Por outras fronteiras não quero eu andar,
trocando o meu viço por agastamento.

E muitos mais vícios acrescentaria,
que cúmplices são do meu desmerecer.
Nunca frequentei a tafularia,
sem ali desordens, distúrbios fazer;
e, cobardemente, ponho-me a mexer
buscando agasalho entre a putaria.

(C.V. 966, CBN 1309)