30.6.03
Glub glub
Submerso no oceano de subentendidos as palavras ficam apenas como bolhas flutuando em torno de nossas cabeças enquanto a gente revolve em redemoinhos rotineiros de frases flutuantes que perdem a gravidade sob a água pesada e as bolhas dançam rodopiando e voltam às bocas sem que explodam nos ouvidos um do outro. Eu berro pra você e o pulmão se enche de água e eu não me importo por que quero que as bolhas bulam com sua cabecinha ondule seus cabelos e entrem pelos ouvidos e narinas e olhos e todos orifícios abertos e ocultos e abram caminho até o cerebelo ou a medula ou aos ovários e desobstruam as pedras e arrebentem os arames e abracem você por dentro como eu te envolvo por fora e como toda essa água que inunda o apartamento nos engole. E você grita de volta a grande bolha muda que flutua espelhada como uma lupa convexa entre nossos rostos e eu te enxergo pequena de ponta cabeça com o sorriso de moluscos felizes boiando no meio de nossos olhos de ogros ciclópicos e a bola brilhante apenas brinca e rebola e implode em bilhões de pequenas bolhinhas prateadas que se pregam ao espesso vidro do nosso aquário. O meu peito arde e os pulmões explodem e eu só sei que te quero meu peixe mais precioso mais colorido e mais lindo e eu só sei que não quero mais respirar o ar eu quero apenas que a água que me invade os brônquios me corroa e me dilua que essa água me lave o sal e me leve a alma que essa água me emprenhe e despolua que sua barriga me embrenhe e que eu possa me degelar me liquefazer e por fim me transbordar por você.
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