Eu tenho uma mania estranha. (Tá, eu tenho várias manias estranhas. Não farei listinhas e que tais e depois as enviarei para 17 leitores pedindo cataloguem suas 17 manias mais estranhas e enviem junto com a resposta da pergunta "qual o nome do deputado que roubou papéis sigilosos da CPI dos correios e deu para a imprensa divulgar e ninguém deu a mínima pelota para a quebra de sigilo?" para a Caixa Postal do capeta e concorra a uma indignaçãozinha usada. Hoje falarei só de uma mania mesmo. Que nem é tão importante assim, é só à guisa de introdução para falar do livro da Fal. Bom. Onde estava? Ah, então, a mania…)
Eu tenho essa mania meio estranha. Mania antiga, dos tempos de moleque, dos tempos da coleção colorida dos Tesouros para a Juventude, não sei se vocês se lembram dela. Sempre que eu gostava muito, muito, de uma das histórias do livro eu deixava de ler as últimas páginas. Diversos livros, o Corcunda de Notre Dame, o Conde de Monte Cristo, os Três Mosqueteiros, todos ficaram com as últimas páginas incólumes, intocadas. E a mania persistiu na juventude. Não é um fenômeno que ocorre com os livros bons ou muito bons, apenas com aqueles que eu me identifiquei profundamente. Eu não li os finalzinho de dezenas de livros excelentes e que. Crime e Castigo, os Irmão Karamázov, O Jogo da Amarelinha, Cem anos de Solidão, a Bíblia…
É, naturalmente, um sintoma neurótico. Pois se o livro é genial, pra que abdicar do final? Justamente por isso, creio eu. Eu não quero que o livro acabe nunca. Quero que o universo criado pelo autor e compartilhado comigo não termine nunca, por isso essa procrastinação evitando a dor da facada do ponto final. É a suprema eternidade do livro inacabado.
Pois então. Isso tudo é para dizer que o livro novo da Fal, O Nome da Cousa, ficou semanas com a leitura com dez páginas por terminar e eu, incoscientemente, postergando, postergando. Significando o que?
Significa que o livrinho é duca! Eu rrrrecomendo efusivamente!
(Putz, não sei linkar direito. A imagem deveria levar para um sistema automático de compras mas acaba linkando para o flickr mesmo)
Um C&P básico:
"Advertência domingueira:
Cuidado com quem não sangra, com quem não tem nenhuma cicatriz, nenhum esqueleto no armário, nenhum corpo no porta-malas do carro, nenhuma marca do tempo e nem arrasta, vez por outra, umas correntezinhas pela casa mal-assombrada. Cuidado, sobretudo, com esses debilóides que repetem o que ouviram alguém mais debilóide ainda dizer "na vida só me arrependo do que não fiz".
Essa gente é um perigo.
Alguma coisa ali é péssima: ou a memória ou o caráter. Hum, ou ambos."
Do Blog para o Livro
A transição do texto que estava flutuando ciberneticamente na blogosfera para a materialidade de um livro é sempre uma espécie de assassinato. O texto inevitavelmente sufocará e morrerá no processo, e será encerrado em seu caixão de papel offset e capa colorida. Os amigos serão convidados ao velório do texto, também conhecido como "noite de autógrafos". Os escritos das orelhas do livro são as elegias. A contra-capa seu obituário. O texto que estava alegre e viçoso em seu blog passa a ter a vivacidade de uma florzinha que é colhida, guardada e esmagada no meio das páginas de um livro.
Porque um blog é uma coisa viva, meus caros. Ou vocês não repararam? O blog é uma coisa que a gente fala com ele e ele responde pra gente (têm uns que fingem que não ouvem, não se engane). Agora, experimente conversar com um livro pra você ver só. Os livros falam, mas não escutam. Livros, como estátuas, apenas aparentam estar vivos. Estão lá impávidos, com seus discursos petrificados, eternos e absolutamente surdos. E, ademais, o que são livros senão pequenos sarcófagos? O que são estantes de biblioteca senão grandes cemitérios? Eles estão mortos, embalsamados, they kicked the bucket, they shuffled off their mortal coil, rung down the curtain and joined the choir invisible! São um ex-papagaio. É necessário que se façam certos rituais para que os defuntos que jazem nos livros comecem a falar. E eles falam, falam bem, falam bonito, cousas muito louváveis e inteligentes. Mas falam com a pomposidade dos defuntos. Não me entendam mal. Livro é ótimo. Livro é genial. Livro é tudibom. Livro é fantástico porque eterniza, preserva os textos. Livro é para todo o sempre. Está lá escrito na lápide.
O blog, entrementes, é vivo e sendo vivo é efêmero. Esta é sua mágica. Um dia está lá todo inzoneiro, no outro dia já morreu, estagnou. Ou então - surpresa! - cresceu, amadureceu e até já vai no banheiro sozinho, ó que bonitinho. Todo blog passa por fases, períodos bons e outro nem tanto. Raríssimos são os autores que não oscilam de qualidade em seus textos ao longo dos anos. Quais os melhores blogs? Hoje são esses. Amanhã serão outros diferentes. E, vejam, não digo "amanhã" genericamente, digo daqui a 24 horas mesmo. Outra camada de posts surgirá e desbancará os belos posts de ontem. Pois é o que acontece: a maioria das pessoas lerá somente os últimos posts, que são as flores e as folhas que por último se estenderam em direção à luz. As vegetação antiga, os post velho, escurece e vai se tornar galho e tronco do blog. O blog é uma árvore que disputa darwinianamente a luz com as árvores dos blogs vizinhos. Folhas, flores, joaninhas, pintassilgos e os últimos comentários sobre o PCC, o futebol e a novela.
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Um entomologista espeta a bela borboleta no mostruário. Não é mais borboleta, ela agora é lepidóptero. Colocar o texto esvoaçante de um blog na caixa apertada de um livro é um pequenino crime. Mas com a Falcita de las Canduengas esse assasinato, como o de Thomas De Quincey, é uma das belas artes.
A Fal é soberana da língua internética e O Nome da Cousa é excelente. Ele reúne registros agridoces de uma mulher muito sagaz e talentosa mas que parece destinada a ser uma eterna sparring da Vida.
Beijão, querida!
PS - Ah! Eu terminei de ler as últimas páginas e o nome da Cousa, para quem não sabe, é (SPOILER ALERT!) Janecildes Vieira de Mendonça e Carvalho, Jane, para os íntimos com a cousa toda.
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PS2 - E, aproveitando o intervalo comercial, tem também o da Maira Parula, o NÃO FECHE SEUS OLHOS ESTA NOITE que eu ainda não li mas já adorei.
25.5.06
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