Dr. ECQ é uma notória sumidade em psicopatologia geopolítica. Para o seu consultório são levados casos clínicos de países que têm o diagnóstico definitivo feito à luz de sua sabedoria e tirocínio.
– Dr. ECQ, temos mais um estado-louco. Foi pré-diagnosticado como um estado paranóico com mania de grandeza.
– E quem é?
– É um desses Stões da vida mas pensa que é um Canadá.
– Mande-o entrar.
O estado-louco entra preso por uma camisa-de-força carregado por dois enfermeiros. Agitado, parecia sofrer de convulsões sociais pelo corpo todo.
Dr. ECQ se aproxima cautelosamente, esquadrinha com atenção doutoral o estado-louco e pergunta-lhe em um tom suave:
– Você é meu amigo?
O estado-louco se contorce na camisa de forca.
– Como assim amigo? Você vendeu armas pro meu vizinho que explodiu minha casa. Me prendeu, amarrou e arrastou até aqui. Me deu dois golpes de estado tão fortes que estou zonzo até agora. E ainda me pergunta se sou seu amigo?
– Não quer ser?
– Não né, porra!
– Podem levar esse aqui. Completamente louco. – Dr. ECQ rabisca em um bloco – Sessões diárias de eletrochoque e um bombardeio pela manhã mais dois a noite, depois da janta.
– Temos ainda mais um estado-louco hoje, Dr. ECQ
– É o último? Mande entrar.
– Certo, doutor. Aqui está.
– Deixe-nos a sós.
– Mas doutor…
– Está tudo sob controle. Espere lá fora que já chamo.
– Sim, doutor.
Dr. ECQ se aproxima do estado-louco, senta-se na mesa, mirando doce mas firmemente os olhos do paciente. O estado-louco transpira, olhos esbugalhados, a face repleta de tiques. O médico retira um guardanapo debaixo do copo de uísque que bebia e enxuga o suor da testa do estado-louco que ainda o olha um pouco assustado. O Dr. ECQ pergunta ao estado-louco:
– Você é meu amigo?
– E… eu? S-sou sim. Gosto muito, demais, do senhor doutor… nossa! Quem dera um dia ser como o senhor! Ter um consultório classudo desses e tomar uísque em copo com gelo que nem o senhor doutor. Puxa, sou amigão mesmo, viu? Seu doutor devia passar na minha tenda, comer uns cabritinhos na brasa. Assim que eu acabar com umas minorias que estão me deixando ma-lu-co, doido mesmo, eu juro que convido o senhor doutor pra jantar lá.
O médico sorri e o conduz até a porta.
– Este aqui não tem nada! Tirem os piolhos e podem instalar uma base militar nele que este é perfeitamente são. Ok? Bom… então por hoje chega.
Dr. ECQ tranca a porta do consultório, coloca um Sibelius no cd player, tira os sapatos e as meias, afrouxa o cinto, afunda-se na poltrona de couro, põe os pés nus sobre a mesa, o dedão regendo os primeiros compassos do primeiro movimento da Sinfonia nº4, beberica o resto de seu uísque enquanto o sol naufraga na janela e pinta o consultório com reflexos dourados e o Dr. pensa: o Mundo é muito simples; as pessoas é que complicam.
27.9.04
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