20.11.03

A GRANDE METÁFORA

el fútbol es popular porque la estupidez es popular
Jorge Luis Borges

Tá. Eu certamente sou o único apreciador das metáforas do “dignífimo” Presidente. Podem me atirar os ovos e tomates, pois nessa época de crises o omelete com catchup será bem vindo. Mas, admito, eu acho todas as metáforas presidenciais lindas, claras e cristalinas. Com a simplicidade de um sólido euclidiano. Gosto muito das metáforas botânico-agrárias e também das de economia doméstica, todas muito simpáticas. Mas aprecio principalmente as metáforas futebolísticas. Tenho certeza que quase tudo na economia e política pode ser explicado e entendido por metáforas futebolísticas. E todo o resto que não pode ser explicado pela metáfora futebolística ou não vale a pena ser compreendido ou é só embromação mesmo.

E não é só política e economia, não. Se examinarmos com cuidado veremos que todas as grandes problemáticas humanas são encenadas por atores de caneleiras. A técnica, a tática, a malícia, a sorte, a superação do limite, a relação do Homem com as leis, sua interpretação e aplicação estão todas embutidas no Futebol. Está tudo lá dentro das quatro linhas de cal, nos estádios, nas concentrações, nas intermináveis e aparentemente irrelevantes discussões mesas-redondas. Uma dúvida banal: escalar o jogador talentoso ou aquele que cumpre bem as determinações táticas? É retomar a questão do Individual X Coletivo, qual é o mais importante? Ao se discutir a última escalação do Parreira estamos revivendo o eterno embate entre Hobbes e Locke. O Futebol é definitivamente a Grande Metáfora.

O Futebol pode ser entendido pelo prisma opaco da fofoca, ou seja, da mera comparação de modelos de comportamentos quando julgamos o caráter de um jogador, treinador ou dirigente. Porém ele pode ser compreendido também, como fez Nelson Rodrigues, no seu sentido épico-literário, em que mais que a cartase de teatro grego, são recriadas constantemente no gramado verdadeiras Ilíadas com Aquiles, Heitores e Rovilsons, seja num Maracanã lotado ou num campo da várzea.

Existem também críticas sérias ao exagero da metáfora futebolística. O Umberto Eco, que não é nenhum entusiasta do esporte bretão, tem um texto no Viagem na Irrealidade Cotidiana que conta como as discussões sobre futebol na Itália - corria 1978 - iam substituindo as discussões sobre os ataques das Brigadas Vermelhas e as verdadeiras querelas políticas. Nas mesas-redondas sobre futebol se permitiria brincar de gerir a Coisa Pública sem os dilemas da discussão política. É o lado ruim da alegoria futebolístia: quando a metáfora acaba eclipsando o metaforizado. O que é extremamente comum.

No entanto, curiosamente também neste texto, Eco relata a sua primeira ida a um estádio de futebol com seu pai. Ele diz que ao ver um estádio com dezenas de milhares de pessoas sentadas em torno de um gramado onde um punhado de pessoas se esforçava para dar um pontapé em uma bola, ele teve a sua primeira crise religiosa e duvidou da existência de Deus. Sob a luz enregeladora do sol do meio-dia se desenrolava um "espetáculo cósmico sem sentido", aquilo que Ottiero Ottieri teria chamado de Sentimento da Irrealidade Cotidiana. E, curiosamente, também para nosso caro semiólogo, o futebol, em seu avesso, serviu para um momento de total epifania Lispectoriana.

Enfim, para resumir: creio que o importante é saber que ao discutir o futebol, estamos sempre discutindo uma Outra Coisa. Seja como tragédia épica, pantomima ou um caótico balé niilista, o futebol está sempre nos representando de alguma forma. Digníssimo presidente, o senhor tem toda a razão: O Futebol é, sem dúvida, a Grande Metáfora. E bola pro mato, que o jogo é de campeonato!