(ao estilo… do Almirante )
I
— Bom dia.
— Bom dia, meu senhor, em que posso ajudá-lo?
— Eu preciso de uma ética.
— Ética… ética… ética… Acho que já tivemos ética por aqui. Deixa eu ver. Talvez lá no fundo tenhamos alguma ética.
— Tenho procurado em todo lugar. Está muito difícil de achar alguma ética.
— Pois é. É que tem tido muito pouca procura, sabe? No Brasil a ética está em falta há muito tempo. Não tem demanda.
— Até tenho visto alguma estética. Mas ética, mesmo, não se encontra em lugar nenhum.
— Olhe, senhor, temos esta ética aqui. Não é nova, pertenceu a um tal de Nicômaco, mas está funcionando perfeitamente.
— Hmm. Ok. Está um pouco gasta. Mas como não encontro em outro lugar, vou levar essa mesmo. Pode embrulhar.
— Pois não. Vai pagar a ética no cheque ou no cartão?
— Dinheiro.
— Ah, perfeitamente. O senhor vai querer com nota ou sem nota?
II
— Boa tarde.
— Boa tarde, meu senhor, em que posso ajudá-lo?
— Essa ética que o senhor me vendeu: não tá funcionando!
— Estava ótima antes de sair da loja. O senhor deve ter rompido a ética.
— Eu não rompi nada. Onde já se viu? Ela já veio assim.
— Então o senhor abusou da ética.
— Eu não abusei da ética coisa nenhuma, meu senhor!
— Ah, mas as pessoas abusam. Tem gente que vai esticando assim, tá vendo?, tentando ampliar o limite da ética e ela não aguenta. Acaba arrebentando.
— Opa! Peraí. Agora que estou vendo.
— O quê?
— Isso aqui não é ética, meu caro. É um moralismo. E pior! Moralismo falsificado, paraguaio.
— Foi o que o senhor pediu!
— De jeito nenhum! Eu peço ética e o senhor me vem com um falso moralismo! Assim não é possível! Eu exijo uma nova ética.
— Sinto muito, não tem mais.
— Acabou a ética?
— Acabou.
— Preceitos morais?
— Nenhum.
— Princípios o senhor há de ter.
— Também não temos princípios, senhor.
— E o que o senhor tem, então?
— Temos etiqueta.
— Etiqueta?
— Temos etiqueta, boas maneiras e decoro.
— Decoro?
— Sim. Temos um pouquinho de decoro, se o senhor quiser.
— Ah, sei lá! Então me dá um decoro. Já que não há mais ética, que pelo menos haja um mínimo de decoro.
— Hmm. Acho que também não vai dar.
— Como assim, não vai dar?
— Parece que quebraram o decoro.
III
— Pssssiu!
— Sim. O que é?
— Eu ouvi a conversa do senhor com o vendedor.
— E daí?
— Então, eu posso arranjar uma ética para o senhor. Coisa fina. De primeira linha.
— Mas é boa mesmo, essa ética?
— É ótima. É de um senador. Nunca foi usada. Tá zero quilômetro.
— Opa!
— Pois é. O senador só usava a ética nos fins de semana pra ir na missa e voltar. Mas hoje nem isso, fica lá guardada na garagem. Se quiser, eu posso dar uma palavrinha com o senador. De repente ele libera essa ética, tá entendendo?
— Ah, será que você conseguiria? Estou precisando tanto dessa ética.
— Mas então... Pra falar com esse senador… vai ter que ter um adiantamentozinho pro meu lado, que essa ética é coisa especial.
— Sem problema. Aqui, pronto. Tome mais algum. Compre um panetone pros seus filhos.
— Ah! O senhor não vai se arrepender. É uma ética espetacular. O senhor vai adorar. Ela fala muito bem, é bem articulada. Fez até faculdade de comunicação social.
— Ah, é uma ética jornalística?
— Isso!
— Aqui no Brasil?
— Exatamente.
— Então deixa pra lá.
3.12.09
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